Lula já reiterou número suficiente de vezes que em nenhum momento usou a palavra Holocausto ao falar nos acontecimentos na Faixa de Gaza, e a discussão sobre se ele foi antissemita ou não já deveria ter passado para outro plano. Segundo Lula, a palavra que ele usou todas as vezes foi Genocídio – e desafiou quem quisesse desmenti-lo a apresentar a gravação de qualquer pronunciamento seu usando a palavra holocausto.
Quando essa questão ainda estava no noticiário, o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, esteve com Lula, muito sorridente, para dizer que os Estados Unidos e o Brasil estão muito unidos, nacionalmente, regionalmente e globalmente. Perguntado sobre a suposta alusão de Lula, Blinken ressaltou não concordar com isso, mas manteve firme a declaração sobre a unidade entre os dois governos.
Depois de desmentir o uso da palavra holocausto, Lula passou a usar com insistência a palavra genocídio e, afinal, protestou contra a passividade da comunidade internacional diante da carnificina em Gaza. Enquanto se discute quais os qualificativos que podem ou não podem ser usados, o noticiário relata os fatos sem adjetivos. Causa um horror nunca antes visto a notícia de que nos hospitais de Gaza crianças são amputadas sem anestesia e pedem para morrer – ou melhor, para que alguém as mate por piedade. Esse fato pode ser enquadrado na ideia de um holocausto? Será melhor enquadrá-lo na ideia de genocídio ou simplesmente como crime de guerra? Lula exagerará ao falar em carnificina?
Muito do sofrimento e do pesadelo vividos neste momento pelas crianças e adultos de Gaza e, em menor escala, claro, por crianças e adultos de qualquer lugar angustiados e moralmente dilacerados pela expectativa de coisas ainda piores, muito desse sofrimento e pesadelo pouco ou nada têm a ver com o confronto entre o Hamas e Israel. E tudo têm a ver com a aventura pessoal de Benjamin Netanyahu.
Netanyahu é, há bom tempo, uma espécie de primeiro-ministro intermitente que ora deixa o poder porque sua precária coalizão parlamentar se fragmentou, ora volta ao poder porque conseguiu negociar nova maioria de votos no parlamento israelense. Em cima dessa corda bamba, ele consegue chantagear o governo dos Estados Unidos, que a oito meses de uma eleição cada vez mais difícil, está amordaçado pela questão de Gaza e não pode aumentar o risco de uma derrota do presidente Joe Biden para o espantalho Donald Trump.
O recente encontro de Lula com Blinken, o amplo sorriso deste e suas enfáticas declarações de apoio ao Brasil deixaram claro que Biden gostaria de dizer o que Lula está dizendo. E provavelmente dirá depois da eleição de novembro. Perdendo ou ganhando. Até lá, Netanyahu pode ir prolongando a guerra e seus horrores o quanto quiser. O que ele não pode é permitir que ela termine. Se ela terminar, seu governo está no chão no dia seguinte. Desta vez, definitivamente.
(*) Por José Augusto Ribeiro – jornalista e escritor, é colunista do Jornal Brasil Popular com a coluna semanal “De olho no mundo”. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993); A História da Petrobrás (2023). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.