A necropolítica de Jair Bolsonaro e seus idealizadores não dá trégua e não cessa sua bateria de ataques às instituições democráticas da República e do Estado democrático de direito, à educação e aos direitos e garantias fundamentais assegurados na Constituição.
Não é novidade que o Presidente da República se aproveita do medo e da pressão que o Brasil tem vivido em razão da pandemia do novo coronavírus para piorar ainda mais a saúde, as condições materiais e o sentimento de esgotamento e estresse da população.
Na segunda-feira (12), ele voltou a tensionar o clima no País, a desafiar o Supremo Tribunal Federal (STF), a infringir a Constituição Federal e a anunciar novos ataques à educação. Disse que irá enviar um Projeto de Lei (PL), ainda nesta terça-feira (13), ao Congresso Nacional para proibir a chamada “ideologia de gênero”.
O anúncio acontece poucos dias depois de o STF, por unanimidade, ter declarado a Lei nº 1.516/2015, do Novo Gama, Goiás, inconstitucional e dado por encerrado o discurso sobre “ideologia de gênero”. A lei municipal vetava a discussão de gênero e proibia a veiculação de materiais e informações nas escolas de conteúdos com temas que se convencionou chamar de “ideologia de gênero”.
O STF terminou o julgamento da “Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 457-GO” no dia 24/4/2020 e entendeu que, além de ter invadido a competência privativa da União de legislar sobre as bases nacionais da educação, a Câmara Municipal, ao aprovar, e a Prefeitura do Novo Gama, ao sancionar, contrariaram cláusulas pétreas e princípios constitucionais, como a igualdade de gênero, o direito à educação plural e democrática e a laicidade do Estado.
Mas nessa segunda, Bolsonaro, novamente, ignorou a Constituição Federal, enfrentou o STF e declarou na imprensa: “Sabemos que, por 11 a 0, o STF derrubou uma lei municipal que proibia ideologia de gênero. Já pedi ontem para o [major] Jorge [Oliveira], nosso ministro [da Secretaria-Geral], para que providenciasse uma lei, um projeto federal. E devemos apresentar hoje esse projeto com urgência constitucional”.
Ideologia de gênero não existe
A noção de “ideologia de gênero” tem suas origens em documentos emitidos pelo Vaticano da época do Papa Bento XVI (Joseph Aloisius Ratzinger). Era uma tentativa de frear o movimento pela igualdade entre os gêneros, a partir de uma ótica bíblica de que a mulher deve ser submissa, bem como conter o avanço no reconhecimento da igualdade de direitos das pessoas LGBTQI+, inspirado na interpretação da Bíblia que vê os homossexuais praticantes como pecadores. Mulheres e LGBTQI+, são, portanto, os dois principais grupos humanos alvos da “ideologia de gênero”, o que a transforma em uma falácia.
Apesar de ter sido criado pelo bispado de Bento XVI, as igrejas de vários matizes, como as evangélicas neopentecostais, e grupos terroristas fundamentalistas, como esses que afloram no Brasil e apoiam o bolsonarismo, com mobilizações antidemocráticas, abraçaram com força esse pensamento e o adotaram como doutrinação ideológica a ser praticada nas escolas da rede pública de ensino de todo o País. Para materializar esse projeto, que além da submissão dos dois grupos mencionados, avança para a privatização da escola pública, elegeram parlamentares para as Casas Legislativas de todas as esferas União, os quais têm apresentado e defendido projetos de Lei da Mordaça (Escola sem Partido), o qual Bolsonaro vai apresentar, agora, no Congresso Nacional.
Com a Lei da Mordaça, os grupos extremistas terroristas fundamentalistas, fascistas, neonazistas, neopentecostais que atuam nos Poderes Legislativo e Executivo poderão intervir livremente na escola pública perseguindo professores, reprimindo o direito à igualdade de gênero e censurando o conteúdo acadêmico, com proibição de disciplinas, como história, geografia, sociologia, filosofia, artes, cultura, literatura, entre outras.
Com isso, ampliam a criminalização desses conteúdos, tão necessários para o conhecimento humano, para o desenvolvimento do País e para a formação da cidadania brasileira. Cerceiam, sobretudo, o direito de os estudantes acessarem o conhecimento acadêmico. A Lei da Mordaça é mais um braço da necropolítica contra realização plena do educando.