O projeto Sabores do Cerrado é desenvolvido por mulheres e foi um dos três vencedores da premiação ocorrida em Brasília
Há cerca de 2 anos e meio, a Associação Comunitária dos Produtores Rurais Panelinhense passou a apoiar projetos que organizassem as mulheres da comunidade de Panelinha 1, localizada no pequeno município de Miravânia – norte de Minas Gerais. A ideia simples, revelou-se promissora. As frutas, como o umbu, maracujá do mato, tamarindo são comuns na região. Bastava então reunir o que se tinha nos quintais das casas e passar a organizar a produção, facilitada por um maquinário antigo da própria associação.
E assim foi feito por cinco mulheres: Marineide Santos, Raimunda Ferreira, Cleuza Fernandes, Maria Aparecida Ramos, Conceição Pereira. Elas, também organizadas no Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo (MTC), deram vida ao “Sabores do Cerrado”. O projeto beneficia polpa de frutas nativas para fabricação de doces, picolés e biscoitos por meio do extrativismo sustentável. Deu tão certo que logo veio o reconhecimento vindo de fora.
O prêmio “Mulheres Rurais – Espanha Reconhece” é uma iniciativa do Escritório de Agricultura da Embaixada da Espanha desenvolvida em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) e a ONU-Mulheres. O objetivo da premiação foi dar visibilidade a experiências coletivas, desenvolvidas por mulheres rurais em suas comunidades. Foram consideradas as experiências que tenham contribuído para a segurança alimentar, redução da pobreza e mitigação dos efeitos da pandemia na sua vida familiar, organização ou comunidade.
Em um total de 482 inscrições de todos os estados brasileiros e o DF, somente três seriam premiadas com valores em dinheiro, assistência técnica, publicações e um Certificado de Reconhecimento Internacional. E lá estava a Sabores do Cerrado entre as três vencedoras!
Marineide e Raimunda foram destacadas para viajar à Brasília para receber a premiação, cuja solenidade foi realizada no dia 28 de abril. O evento reuniu o embaixador espanhol, Fernando García Casas e diversas autoridades que apoiaram a iniciativa de reconhecer experiências e projetos produtivos de mulheres rurais. Foi das mãos de Anastasia Dimiskaya, da ONU-Mulheres, que as Panelinhenses receberam o tão merecido reconhecimento.
“A gente teve apoio da EMATER, do MTC, de amigos como o Fábio Cardoso, que mora em São Paulo. Já tínhamos recebido a menção honrosa no prêmio Potência Feminina, da ONU. Mas desta vez ficamos em segundo lugar. Mostramos que é possível organizar e produzir unindo mulheres que colocam seus próprios corpos em defesa do cerrado em pé; para proteger a biodiversidade do nosso território. Eu me sinto como se tivesse ganho na Mega Sena”, destaca Marineide, emocionada durante a solenidadena capital federal.
Aliás, a história de Marineide merece um destaque a parte. Ela, que também preside a associação comunitária, já tinha experiência em outra associação, quando residia em São Paulo. “Fui catadora de recicláveis e até coordenei uma associação de catadores, mas tive que largar tudo para cuidar do meu pai, que tinha adoecido. Voltei para a minha cidade natal, mas, com três filhos e mãe solteira, não tinha como sobreviver apenas com os auxílios governamentais. O município, pequeno demais, era difícil trabalho. Coloquei em prática o conhecimento que eu já tinha e, junto com outras mulheres, vimos que é possível ter sustentabilidade através dos frutos do nosso próprio cerrado que acabavam se perdendo. Hoje conseguimos escoar a produção para lanchonetes, restaurantes e até mesmo para a Prefeitura de Miravânia”, explica.
Durante a premiação, o embaixador García Casas destacou a subvalorização do trabalho da mulher no campo no Brasil e no mundo, embora ela represente, segundo dados trazidos por ele, 43% da produção rural. “O trabalho que elas realizam nas comunidades rurais é muitas vezes percebido como ajuda ao marido, ao pai, ao irmão”, disse. O embaixador ainda enfatizou que “o feminismo e a justiça social são inseparáveis”. Segundo ele, é necessário dar visibilidade ao um “um movimento silencioso e essencial de mulheres do campo, das águas e das florestas”, cujo trabalho “gera alimento, renda e vida”.
Neste sentido, os sonhos das mulheres do Sabores do Cerrado ainda têm muito caminho a percorrer. “Vamos pegar o dinheiro e investir em novos freezers e seladoras. Queremos ampliar o número de mulheres dentro do projeto e ampliar a produção. Já temos viveiros vivos, com o aproveitamento das sementes para mudas, logo, mais frutos para beneficiamento. Queremos chegar a produzir para o PNAE, por exemplo”, finalizou Marineide com brilho nos olhos.
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