Os timores ingleses
O Security Service, o Comitê de Segurança Nacional do Parlamento de Londres, é responsável pela proteção contra ameaças à segurança nacional, pelo Rei e pelos membros da Família Real, pela democracia parlamentar e pelos interesses econômicos britânicos, pela luta contra crimes graves, pelo separatismo, pelo terrorismo e pela espionagem no Reino Unido. Recentemente, no início do mês de maio, o comitê decidiu escrever e publicar uma carta sobre o fato de o governo britânico estar a preparar-se para a possibilidade de interferência estrangeira,durante as próximas eleições gerais, marcadas para 4 de julho, pois “não está claro se o público compreende,perfeitamente, como estas ameaças se manifestarão e o que significam para o Reino Unido, para a sua democracia e para eles como indivíduos.”
A comissão ainda relatou como o Reino Unido tem sido sujeito a interferências estrangeiras de vários países, como China, Rússia, Irã e Coreia do Norte. De fato, estados de todo o mundo, incluindo o Reino Unido, realizam atividades de influência abertas e transparentes, tais como a utilização da diplomacia para moldar e alinhar políticas, em benefício de interesses partilhados. Esta é uma parte bem-vinda do compromisso internacional transparente e é vital para que cada país possa alcançar os seus interesses. Alguns estados, no entanto, procuram promover seus interesses estratégicos, indo além da influência política aberta. Embora não sejam necessariamente hostis, estas atividades de “interferência” normalmente não são conduzidas de forma transparente e estão fora das normas da diplomacia. Alguns estados utilizam atividades de interferência política encobertas e malignas para minar os interesses alheios, tais como utilizar a desinformação para manipular o debate político ou enfraquecer a integridade das instituições democráticas.
Tal como demonstrou a recente invasão russa na Ucrânia, a informação pode ser transformada em arma. O novo crime de interferência estrangeira representa, portanto, um avanço significativo na resposta do Reino Unido ao combate à desinformação patrocinada pelo Estado. O relatório do Comitê de Inteligência e Segurança (ISC – Intelligence and Security Committee) sobre a Rússia observou a vulnerabilidade do Reino Unido às ameaças de campanhas hostis patrocinadas pelos russos, destinadas a minar a integridade e a segurança nacional do Reino Unido. O ISC recomendou que proteger o sistema político contra interferências estrangeiras hostis é uma responsabilidade central do governo.
As ferramentas atuais disponíveis para a aplicação da lei e para as agências de inteligência são limitadas. Os suspeitos de realizar atividades de interferência estrangeira podem potencialmente ser acusados de crimes como suborno ou fraude; no entanto, esses crimes não foram estabelecidos tendo em mente atividades de ameaças estatais e não refletem com precisão a potencial gravidade ou escala da atividade prejudicial que pode ocorrer. A nova infração prevista no projeto de lei contribuirá para o conjunto de ferramentas à disposição das autoridades policiais e das agências de inteligência para interromper atividades de interferência estrangeira. Além disso, as disposições sobre interferência estrangeira funcionarão como um elemento dissuasor para aqueles que estão a considerar envolver-se em tal atividade.
Numa entrevista recente ao jornal italiano Formiche.net, Rory Cormac, professor de Relações Internacionais na Universidade de Nottingham, afirmou que “os atores da desinformação exploram a falta de confiança do público no governo e na sociedade civil”, acrescentando que “a opinião pública precisa de confiança e de uma abordagem bipartidária para combater este fenômeno. Este é um problema, caso a opinião pública venha a temer que os governos utilizem a retórica da desinformação e da contrainformação para promover interesses políticos. Os governos devem servir de exemplo, adotando políticas baseadas em fatos e na verdade, evitando mentir, exagerar ou alimentar divisões na sociedade”, concluiu o professor.
(*) Por Edoardo Pacelli é jornalista, ex-diretor de pesquisa do CNR (Itália), editor da revista Italiamiga e vice-presidente do Ideus.