Os encontros que Benjamin Netanyahu teve nos Estados Unidos nos últimos dias demonstraram para o mundo todo e também para ele mesmo que pode estar chegando ao fim o apoio incondicional que até agora ele recebeu do governo norte-americano em sua guerra genocida, em nome da defesa de Israel contra o Hamas e contra a população palestina da Faixa de Gaza.
Não foi a convite do governo dos Estados Unidos que Netanyahu viajou a Washington. Foi por iniciativa apenas da maioria republicana da Câmara dos Representantes, que lhe deu a oportunidade de falar numa sessão conjunta do Congresso sobre a guerra de Gaza. Esse discurso serviria para fortalecê-lo internamente em Israel e também para dar uma força na campanha presidencial de Donald Trump, que precisa ser agradado porque pode voltar ao poder e ainda não engoliu o fato de Netanyahu ter reconhecido a vitória do Presidente Biden na eleição de 2020.
Em seu discurso no Congresso, Netanyahu criticou sem a menor cerimônia os democratas que pedem o cessar-fogo em Gaza e elogiou entusiasticamente o governo Trump pelo modelo de relações que teve com o governo de Israel. No dia seguinte, em encontro com Biden no Salão Oval da Casa Branca, Netanyahu tirou proveito da natural fragilidade de Biden depois da Covid e de ter desistido de sua reeleição, e montou um show de intimidade e fraternidade com seu anfitrião.
Em seguida, Netanyahu foi ao encontro da Vice-Presidente e possível futura Presidente Kamala Harris em outro local da Casa Branca – e o show terminou aí.
Kamala não deixou que Netanyahu tentasse dar ao encontro o ar triunfalista que ele tinha conseguido encenar no discurso ao Congresso e na reunião com Biden. Contrastando com a roupa clara que vinha usando nos dias anteriores em todos os seus eventos públicos, ela estava inteiramente de preto, até na écharpe que lhe cobria o pescoço – um protesto contra o holocausto de Gaza?
— Temos muito que conversar – disse Kamala ao cumprimentar Netanyahu secamente, sem nada do riso e do sorriso com que sempre vinha sendo vista desde que Biden lhe transferira a candidatura presidencial.
Terminada a reunião, naturalmente a portas fechadas, Kamala foi sozinha ao encontro dos jornalistas, que nem puderam ver como ela e Netanyahu se despediram. A conversa com os jornalistas, também em tom muito sério, foi assim reconstituída pelo The Daily Beast, um jornal eletrônico que tem esse nome engraçado mas não brinca com coisas sérias:
— A Vice-Presidente Kamala Harris disse na quinta-feira que tem “preocupações sérias” quanto à escala da crise humanitária em Gaza. “Não podemos olhar para fora em face dessas tragédias. Não podemos ficar indiferentes diante de tal sofrimento. Eu não vou ficar calada.”
Como Vice de Biden, Kamala não poderia ter ido mais longe que isso. Como candidata a ser sua sucessora, porém, ela não pode manter a postura conformista de Biden, sobretudo diante do eleitorado jovem, do eleitorado negro e do já considerável eleitorado de origem árabe e em grande parte árabe-palestino.
Uma situação paradoxal na questão de Gaza e da eleição americana é que Netanyahu é muito mais forte nos Estados Unidos que em Israel. Nos Estados Unidos, uma candidata como Kamala não pode ir além de dizer que não vai ficar calada diante do que acontece em Gaza. Em Israel, segundo as pesquisas, 72% dos cidadãos querem sua renúncia e o responsabilizam por falhas e erros de segurança que tornaram possível o êxito dos ataques do Hamas no 7 de outubro. E também 72% consideram mais importante um acordo para a libertação dos reféns que a destruição do Hamas.
KAMALA JÁ EM EMPATE TÉCNICO COM TRUMP
Uma pesquisa do Wall Street Journal publicada sexta-feira à noite revela que Kamala já está empatada tecnicamente com Trump. Num confronto em que figurem apenas os dois, a vantagem de Trump, que era de seis pontos percentuais sobre Biden, caiu para dois pontos: 49 a 47, dentro da margem de erro da pesquisa.
Já num confronto que inclua Robert Kennedy Jr. e outros candidatos independentes, Kamala passou à frente, ela com 45 e Trump com 44%.
A pesquisa mostra também apoio crescente a Kamala entre eleitores negros, latinos e jovens, além de entusiasmo “dramaticamente aumentado” entre os democratas em geral.
(*) Por José Augusto Ribeiro – jornalista e escritor, é colunista do Jornal Brasil Popular com a coluna semanal “De olho no mundo”. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993); A História da Petrobrás (2023). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.