Filme da cineasta Maria Augusta Ramos, mesma diretora de O Processo, pode ser visto no CineBancários com preços populares até o dia 23 de junho
Até o lançamento do filme O Processo, em 2018, o trabalho da cineasta Maria Augusta Ramos era mais conhecido fora do Brasil do que em seu país. Antes do documentário sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff, a diretora já demonstrava um profundo interesse pelo que chama de “teatro da Justiça”.
“Nós nos representamos a todo momento na vida social. Em uma audiência, cada parte representa um setor da sociedade”, comenta a cineasta. “Por ali, passam dramas pessoais e coletivos. Dessa maneira, a sociedade se revela nas suas mazelas, desigualdades sociais, preconceitos e incapacidades de lidar com coisas como o racismo.”
Com a trilogia Justiça (2004), Juízo (2007) e Morro dos Prazeres (2013), Ramos conduziu um mergulho nas estruturas e relações sociais que atravessam o sistema de Justiça no Brasil. Agora, a cineasta utiliza a mesma lente para analisar os processos políticos contemporâneos. Seu novo filme, Amigo Secreto, tem como foco a “Vaza Jato” e que chega à sua segunda semana de exibição no CineBancários, sala de cinema do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (SindBancários).
Até quinta-feira (23), as sessões serão exibidas às 19h. Os ingressos podem ser adquiridos a R$ 12,00 na bilheteria do CineBancários. Idosos (as), estudantes, bancários (as), jornalistas sindicalizados (as), portadores de ID Jovem e pessoas com deficiência pagam R$ 6,00. São aceitos cartões nas bandeiras Banricompras, Visa, MasterCard e Elo.
As exibições acontecem respeitando todas as medidas preventivas e protocolos sanitários recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como limitação da ocupação da sala, uso obrigatório de máscara, higienização do espaço após o término de cada filme e disponibilização de álcool gel na recepção do cinema. Antes das sessões será exigida a apresentação de comprovante de vacinação contra Covid.
Documentário aborda cobertura da Vaza Jato
No documentário, a cineasta se debruça sobre o trabalho realizado por veículos de imprensa para organizar, interpretar e divulgar o vazamento de mensagens trocadas entre procuradores da operação Lava Jato e juízes, com destaque para o ex-ministro Sergio Moro.
O filme traz o público para dentro das redações do The Intercept Brasil e do El País, e dá voz a juristas críticos à operação que, na avaliação da cineasta, foram excluídos do debate público pela imprensa.
“Eles tentaram combater, questionar, criticavam, mas foram silenciados. A mídia optou por uma determinada narrativa, que era a da Lava Jato, e a Vaza Jato trouxe isso de uma maneira que era impossível negar. Tudo aquilo que já se sabia ficou escancarado”, afirma. “A Lava Jato foi uma farsa, uma grande encenação.”
Em entrevista à DW Brasil, Maria Augusta Ramos reflete sobre as consequências da operação, o cenário político do Brasil e a escolha de abrir mão da exclusividade exigida por festivais internacionais para rodar o filme nos cinemas brasileiros antes da eleição.
“Eles cometeram crimes e levaram o país a este momento tenebroso que a gente está vivendo hoje, com o risco enorme de, quem sabe, um golpe. Isso eu coloco na conta do senhor Sergio Moro”, critica.
Confira parte da entrevista:
DW Brasil: Amigo Secreto deve ser visto como uma continuação de O Processo?
Maria Augusta Ramos: Amigo Secreto é uma continuação de O Processo e, de certa maneira, O Processo também é uma continuação dos meus filmes anteriores, feitos dentro do universo da Justiça. Eu sempre disse que me interessa e me inspira pensar e refletir sobre a sociedade brasileira, as relações humanas, sociais e de poder, por meio do sistema de Justiça — o que eu chamo de “teatro da Justiça”. Principalmente depois, com O Processo, no qual a Justiça teve um papel fundamental no impeachment da presidenta Dilma, na remoção de uma presidenta da República que, na verdade, não havia cometido nenhum crime. O Amigo Secreto é uma continuação disso, pois me assusta e me dá muito medo o uso da Justiça, do que a gente chama de lawfare, o uso indevido do Judiciário para fins próprios, de remoção de inimigos políticos.
Na verdade, é uma guerra híbrida. Remover um candidato à eleição, como se fez com Lula, encarcerado em 2018 sem provas, é algo muito sério em um Estado de direito. Isso teve como consequência o que a gente está vendo agora. Não só a eleição de Bolsonaro, mas a consequência disso, a fragilização das instituições democráticas, da própria Justiça, das instituições jurídicas, do STF – que agora está sendo diariamente atacado – e do Congresso.
Houve uma demonização da política e dos políticos. Isso é muito sério e vai corroendo a democracia. Tanto o Congresso quanto o sistema de Justiça são essenciais. Assim como o Executivo, são pilares da nossa democracia moderna. É impossível, para mim, não fazer um filme sobre isso, não tentar refletir sobre as consequências da Lava Jato e como nós chegamos aonde estamos agora, nesse momento trágico do país, muito crítico e muito perigoso.
A linguagem de ambos os filmes demonstra uma forte consciência sobre o viés da representação nos tribunais – o “teatro da Justiça” a que você fez referência. Na sua leitura, a Lava Jato foi uma encenação?
Certamente. Quando eu falo do teatro da Justiça, eu não necessariamente me refiro à Justiça como uma farsa, de maneira alguma. Mas a Lava Jato foi uma farsa, uma grande encenação. Nós nos representamos a todo momento na vida social. Em uma audiência, cada parte representa um setor da sociedade: o juiz representa a Justiça; o promotor, a sociedade civil; o acusado representa a si mesmo. Por ali, passam dramas pessoais e coletivos. Dessa maneira, a sociedade se revela nas suas mazelas, desigualdades sociais, preconceitos e incapacidades de lidar com coisas como o racismo. É o caso também dessa grande divisão que existe na sociedade brasileira, entre o Brasil “com Z”, a classe média que tem acesso à educação, à saúde e uma série de coisas, e uma classe humilde, que não tem acesso a isso tudo. Ou, pelo menos, durante muitos anos não teve e agora, com o governo Bolsonaro, voltou a não ter. Essa diferença é muito nítida nesse cenário, mas isso não significa que o cenário das audiências, do que eu chamo de teatro da Justiça, seja uma encenação, uma farsa, de maneira alguma. Mas, no caso da Lava Jato, sim, ela fez uso abusivo da farda, do ritual da Justiça, para legitimar um processo arbitrário, que era uma grande farsa, uma grande encenação. Precisamos ter muito cuidado em relação a isso. O lawfare consiste em usar mecanismos jurídicos contra um inimigo político, que pode ser o representante de um outro partido, um país ou uma empresa, por razões políticas, geopolíticas, razões que não são necessariamente ligadas, de fato, ao Direito.
Confira o Trailer:
Mais informações pelo telefone (51) 3030.9405 ou pelo e-mail cinebancarios@sindbancarios.org.br.
Fonte: SindBancários com informações de DW Brasil
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