Política não é baixaria. Política é uma arte que só pode ser praticada por seres humanos que agem de forma condizente com a sua espécie, com dignidade, decoro, ética e o mínimo de decência
Na Grécia antiga, política significava “a arte de cuidar das coisas da pólis”, da cidade e, por conseguinte, da sociedade. Ou seja, política é um exercício de cuidado. No Brasil de nossos dias, alguns dos membros do Poder Legislativo demonstram ignorar o que deveria ser a política e de forma tacanha utilizam o espaço público com o único objetivo de se autopromover a qualquer custo. Este grupo vem tornando a sagrada casa da democracia um escandaloso teatro dos horrores. Quanto mais vil, abominável e violento o discurso melhor! Mas é preciso dizer que essas pessoas não representam o nosso povo. Nem mesmo a pior parte dele.
É totalmente normal haver discordâncias, aliás, é próprio da democracia o embate de ideias. É compreensível que as pessoas se exaltem em meio a uma discussão acalorada. Mas não é mais isso que vem acontecendo. Quase não existem mais interlocuções marcadas por diálogos antagônicos, mas cordiais. Pessoas que não agem politicamente, com o mínimo de respeito e urbanidade, não exercem a função que a verdadeira política demanda, portanto, não são dignos de serem chamados de políticos.
O que estamos assistindo no Congresso Nacional, ultimamente, nada tem a ver com representação de ideias políticas veiculadas de uma maneira razoável, urbana, válida. O que está ocorrendo com preocupante frequência é uma espécie de espetáculo da banalização do ódio com atos marcadas por violência verbal, psicológica e até física. Precisamos nos perguntar, para onde isso irá nos levar como sociedade e como nação.
A clara falta de responsabilidade de alguns parlamentares com o cargo que estão ocupando expressa o total desrespeito por seus eleitores e pelo Brasil. Ninguém pode se sentir confortável em representações marcadas pela selvageria, cupidez e ignorância. Por pessoas incapazes de tratar uns aos outros de forma minimamente educada. O povo brasileiro não pode aceitar que gente tão desqualificada nos desqualifique dessa maneira. Se seguirmos aceitando tais atitudes, corremos o risco de reconhecer que somos só isso. Nós concordamos, ainda que tacitamente, com aquilo que toleramos.
É inaceitável que alguns de nossos representantes sigam performando cenas tacanhas, vergonhosas e vexatórias com o raso intuito da autopromoção, pois isto está nos custando a dignidade. Essas atitudes nos humilham como povo e nos apequenam como nação.
É preciso destacar dois exemplos inaceitáveis dessa tentativa de institucionalizar a barbárie.
Luiza Erundina teve que ser internada às pressas, após passar mal durante uma sessão na Câmara dos Deputados. Ela teve que praticamente gritar para conseguir concluir a sua fala. Deputados que estavam posicionados atrás dela não a permitiram fazer sua fala sem ser interrompida. A todo tempo tentavam rebater de pronto seu discurso, assumindo uma postura violenta e totalmente desrespeitosa. Um bando de homens agindo como trogloditas, gritando com uma senhora de 89 anos!
Quem considera isso aceitável esqueceu o sentido da palavra respeito.
E, no dia anterior, uma deputada federal ousou se valer da gravíssima tragédia vivenciada pela família da Deputada Sâmia Bomfim para atacá-la. Usar a morte de um ente querido como munição… Será que pode haver algo mais baixo, vil e canalha? Não! Queremos crer que não. Aqui, com esta fala, por certo chegamos ao subsolo do inferno.
Nenhum ser humano pode se sentir representado por posturas como essas. A menos que não seja possível encontrar em si nenhum resquício de caráter.
E é essencial que se repise, atitudes como estas não são e não podem ser consideradas práticas políticas!
Política não é baixaria. Não é vale tudo em um ringue de lama. Não é desumanização. Política é uma arte que só pode ser praticada por seres humanos que agem de forma condizente com a sua espécie, com dignidade, decoro, ética e o mínimo de decência. Política é a arte do cuidar.
E por fim, é preciso lembrar da nossa responsabilidade como protagonistas deste enredo. Estamos escrevendo a história do nosso país a cada passo. Vamos deixar um legado àqueles que virão depois de nós. Se nos silenciarmos diante dessas situações, acabaremos por entregar um futuro pior do que o presente que recebemos.
Esquerda, direita, centro; brancos, pretos indígenas; católicos, evangélicos, budistas, kardecistas, wiccanianos, ateus, umbandistas – todo e qualquer ser humano que componha a população brasileira, é certo que temos divergências e diferenças, mas precisamos nos unir e concordar em discordar deste estado de coisas nefasto!
Somos um povo que tem como principal característica a solidariedade. Nos preocupamos uns com os outros. Nos ajudamos. Cuidamos sim uns dos outros de forma afetiva. Nos socorremos. A corrente de amor que cercou o Rio Grande do Sul é a prova disso. As toneladas de doações. As pessoas saindo de suas casas para ir até lá ajudar voluntariamente. Os bilhetes escritos em marmitas para fazer chegar além do alimento para o corpo, o acalento para a alma. Somos uma comunidade formada em sua imensa maioria por pessoas de bom coração.
Somos sim, humanos que se portam como seres humanos! É essa humanidade que representa o povo brasileiro.
O que nos faz humanos é precisamente a empatia. É a sensibilidade. É a capacidade de conseguirmos nos enxergar uns nos outros, que nos torna verdadeiramente humanos. Havemos de preservar esse traço com afinco, sob pena de permitir a completa descaracterização do povo brasileiro.
Precisamos ser representados por pessoas que reproduzam em suas atitudes quem nós somos e como agimos. Não somos esse arremedo de civilidade!
Queremos representantes que nos orgulhem, não que nos envergonhem!
Convidado deste artigo: Coalizão Nacional de Mulheres – Movimento que reúne lideranças feministas de todo o Brasil.
Foto: Reprodução
Artigo da Coalizão Nacional de Mulheres publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão