Rondônia se destaca na Amazônia Legal com os maiores índices regionais de feminicídios – que são os homicídios tipificados pela legislação em razão de gênero, ou seja, quando as vítimas são mortas por serem mulheres. Mas o estado tem também histórico de organização de mulheres, e isso se reflete de um modo bastante singular em grande parte das escolhas das quase 200 candidatas a prefeitas e vereadoras que alcançam 30% das vagas destinadas aos cargos a serem disputados pelo PT em outubro em 48 municípios. A seleção dos nomes delas geralmente é precedida de longos debates. Em Ouro Preto do Oeste, cidade com cerca de 35 mil habitantes (IBGE, 2022), as discussões políticas já duram décadas, e até hoje são pauta nas sobreviventes CEBs, as antigas Comunidades Eclesiais de Base.
“Boa parte das companheiras já nasceu em famílias em que os pais tiveram formação nas organizações sindicais, comunitárias e nas associações”, conta Maria Andrade, também conhecida como “Maria do PT”, membro do coletivo de mulheres de Rondônia e dos diretórios estadual e municipal do partido. “Essa condição tem impactos positivos na agricultura familiar caracterizada pela agroecologia e também influencia grandemente na resistência feminina e na redução de históricos de violências”.
As CEBs fazem parte das pastorais da Igreja Católica e tiveram forte impacto na formação política de comunidades especialmente nos anos 70 e 80, com ênfase nos debates políticos para a transformação social com fundamento nos princípios da Teologia da Libertação.
Maria do PT relata que a situação de miséria foi superada no país, mas a organização das mulheres até hoje não é fácil, mesmo que a realidade tenha registrado o estado como de maior número de feminicídios na Amazônia Legal em 2022, no mais recente registro do estudo “Cartografias da Violência na Amazônia”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em dezembro de 2023. Foram em média 3,0 mortes por 100 mil mulheres, índice duas vezes maior do que a média nacional.
“Ainda vivemos o patriarcado, e os machos continuam resistentes em ver as suas mulheres em papeis de liderança. Eles também precisam desta discussão”, ressalta. Com agendas lotadas no fortalecimento das organizações de base em Ouro Preto do Oeste, especialmente na campanha eleitoral, as mulheres do partido no município vivem a empolgação do momento que é a luta por mandatos que transformem “a péssima política que os homens fazem” e estão atentas na proposta de fusão das organizações das agricultoras familiares e artesãs do município – acabamos de fazer uma reunião, tinha 30 mulheres e quatro ou cinco homens”.
Nos cargos de poder no Brasil, porém, eles ainda são sempre maioria absoluta. Para ter a primeira mulher na alta Corte, o Supremo Tribunal Federal (STF) precisou completar 109 anos, em 2000. E nesta semana passada, Dia Internacional da Democracia (15), a ministra Cármen Lúcia frisou que “não há democracia de gênero” e “democracia de cores”, enfatizando que no final de semana anterior haviam sido registrados cinco tentativas de morte a candidatas em eleições municipais.
Maria do PT salienta que os mandatos de mulheres são importantes para o fortalecimento das lutas e para reforçar sempre o cumprimento das cotas mínimas de mulheres nas disputas eleitorais, “com os compromissos das lideranças com suas comunidades, reforçando o pensamento de esquerda, o direito de voz e voto nas instâncias de debate e os princípios partidários que estão enfatizados em nossos setoriais, de negras e negros, saúde, educação, LGBTQIA+, proteção de animais, proteção ambiental”.
Hoje aos 68 anos, Maria do PT chegou a Ouro Preto do Oeste quando iniciava a colonização de Rondônia, que teve auge nos anos 70 e 80, já como professora e atuou imediatamente na zona rural. “Logo me engajei no fortalecimento dos sindicatos que haviam sido banidos pela ditadura militar”. Ela foi fundadora do sindicato que reuniu profissionais da educação, presente já em sua primeira direção. Ao longo dos anos acabou se formando em antropologia, “pra entender um pouco desta sociedade difícil em que exercemos o esperançar aprendido com Paulo Freire”.