Os depoimentos, na próxima semana, de Alexandre Ramagem, diretor da Abin no governo Bolsonaro, e do general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional ao longo desses 4 anos, podem descarregar fogo pesado sobre ambos e, principalmente, sobre o próprio Bolsonaro.
Inocentando-se de culpa pelas patifarias da Abin contra opositores daquele governo e também contra aliados nos quais Bolsonaro não confiava e queria manter de rédea curta, o general Heleno deve dizer que o diretor da Abin despachava, diretamente, com Bolsonaro – dando a entender que se houve combinações criminosas, elas ocorreram sem sua presença e, portanto, sem seu conhecimento e muito menos consentimento.
Ramagem já respondeu a essa alegação, em entrevista a Andréia Sadi, da GloboNews, e disse que às vezes despachava sozinho com Bolsonaro, mas, noutras vezes, Heleno estava presente. E, acrescentando uma colherinha de veneno, fez questão de informar que seu maio relacionamento, “praticamente todo dia”, era com Heleno, seu chefe imediato, não com Bolsonaro.
Se de fato disser que Ramagem despachava direto com Bolsonaro, ele estará dizendo implicitamente que Bolsonaro é culpado – em verdadeira delação não-premiada. Para inocentar Bolsonaro, ele teria de dizer que esteve presente nos despachos de Ramagem e neles nada aconteceu que inculpasse Bolsonaro.
Ramagem, por sua vez, só poderia inocentar Bolsonaro se pudesse dizer que Heleno sempre este presente e poderia testemunhar que as conversa foram sempre inocentes. Mas não pode mais, depois da entrevista a Andréia Sadi.
Pelo que se sabia ou presumia, a linha de defesa de Heleno seria dizer que Ramagem despachava sozinho com Bolsonaro. Isso não deixava de deixar Bolsonaro mal – como é que um Presidente aceita qualquer proposta imprudente do diretor da Abin? – mas deixava Ramagem numa situação ainda pior – como é que um diretor da Abin, especialista em inteligência ou por formação ou por experiência, leva uma ideia dessas ao Presidente, sabendo que um dia as coisas aparecem e o Presidente não terá como negá-las?
Já a linha de defesa de Ramagem, que ficou clara na entrevista a Andréia Sadi, é jogar a culpa mais para cima: sim, ele despachava sozinho com Bolsonaro às vezes; mas outras muitas vezes despachava juntamente com Heleno – insinuando que este, por ser general, tinha muito mais influencia sobre o ex-capitão, que na vida militar ativa nunca passara de tenente, Além disso quem tinha mais ascendia sobre Ramagem era Heleno, seu superior hierárquico e interlocutor de todos os dias.
No fim, e talvez já a partir de seus depoimentos na próxima semana, tanto Heleno quanto Ramagem não terão como inocentar Bolsonaro, da mesma forma como o ex-ajudante de ordens Mauro Cid não teve.
(*) Por José Augusto Ribeiro – jornalista e escritor, é colunista do Jornal Brasil Popular com a coluna semanal “De olho no mundo”. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993); A História da Petrobrás (2023). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.