Num protesto infantil que parecia ao mesmo tempo um gesto de impotência, a maioria conservadora do Senado aprovou um projeto de lei (já votado e aprovado pela Câmara dos Deputados) que estabelece o tal marco temporal para as terras indígenas, pouco antes declarado inconstitucional pelo Supremo, por 9 votos a 2, pela unanimidade dos ministros nomeados antes do governo Bolsonaro, ou seja, pelos Presidentes Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma e Michel Temer. Só ficaram de fora, como era de esperar, os ministros Nunes Marques e André Mendonça, do período bolsonarista.
O marco temporal estabeleceria que as comunidades indígenas só poderiam reivindicar as áreas que efetivamente ocupassem no dia 8 de outubro de 1988, data de promulgação e entrada em vigor da Constituição Federal. As áreas das quais essas comunidades já tivessem sido expulsas não seriam devolvidas, assim como poderia acontecer com outras roubadas depois.
O protesto foi infantil porque seus autores e apoiadores sabiam muito bem, antes mesmo da decisão do Supremo, que o texto da Constituição sobre a garantia das terras indígenas é de clareza indiscutível, não comportando essa restrição do marco temporal.
A pretexto de assegurar direitos adquiridos por detentores de boa fé de áreas originariamente de comunidades indígenas, os inventores da tese do marco temporal queriam na verdade disponibilizar um instrumento de defesa para os possuidores de áreas roubadas aos indígenas pela violência física ou pela violência jurídica. Os senadores que votaram pelo projeto sabiam que o Supremo, ao proibir o marco temporal, garantira que os possuidores de boa fé fossem devidamente indenizados.
E mais infantil ainda era o protesto porque seus autores e defensores sabiam muito bem que Lula o vetaria, mesmo que o Supremo ainda não se tivesse manifestado, tal o absurdo da tese do marco temporal diante da clareza do texto constitucional. E que, se o veto fosse rejeitado pelo Congresso, o Supremo teria de declarar inconstitucional a lei dele resultante.
A decisão do Senado terá sido, portanto, apenas um gesto de impotência sem maior consequência? Não, longe disso, foi uma previsível reação, com até conexões internacionais, contra uma política indigenista e contra políticas de defesa ambiental e das riquezas minerais do país retomadas depois dos últimos e devastadores seis anos.
Desde muito antes disso, grandes ambições e interesses econômicos nativos e estrangeiros, muitas vezes ocultos sob a forma de ONGs científicas ou filantrópicas ou de missões religiosas, avançaram sobre grandes áreas total ou parcialmente ocupadas por grupos indígenas, a pretexto de estudá-las, “civilizá-las” ou convertê-las, mas na verdade sem maior interesse em sua população humana e de olho apenas em suas riquezas minerais subterrâneas. Em outros casos, o interesse era pela riqueza farmacológica que foi desvendada com base na experiência da medicina indígena e hoje, devidamente patenteada, faz a fortuna da indústria farmacêutica multinacional, inclusive para tratamento de doenças como o câncer.
Paralelamente a esses casos hoje menos discutidos, existem os casos costumeiros de garimpo e mineração ilegais e de desmatamento para a venda de madeiras cada vez mais raras e valiosas e cumulativamente para a ampliação da fronteira agrícola e pecuária do país.
A decisão do Senado cria condições para unificar a ação da poderosa bancada ruralista no Congresso, que naturalmente é também aliada em muitas questões dos interesses do mercado financeiro. Desde o início da República e sua Constituinte, no fim do século 19, o Brasil tem sido refém de alianças entre diferentes interesses retrógrados que travam seus avanços econômicos e sociais.
É por isso que, imediatamente depois da decisão do Senado, surgiu na Câmara uma proposta de emenda constitucional para permitir que o Congresso, por maioria qualificada, derrube decisões do Supremo. Como a que o Supremo ainda discute, sobre aborto. E como a que já adotou, por 9 a 2, sobre o marco temporal.
(*) Por José Augusto Ribeiro – jornalista e escritor. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993); A História da Petrobrás (2023). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.
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