São grandes as mudanças provocadas pela epidemia no planeta. Essa novidade nos obrigou a rever hábitos, padrões de trabalho, relacionamentos e deslocamentos cotidianos, ao custo de vidas. Vários incômodos já se manifestavam pré-pandemia, mas se exacerbaram sob a ameaça letal. É o debate sobre origens, responsabilidades e aprendizados da tragédia, e especulações sobre as cidades e a vida pós-vacina.
A velocidade de disseminação do micro-organismo testa a capacidade de ação de governos e sociedade, de reconstruir-se em padrões comportamentais. Há otimistas ingênuos que apostam que não voltaremos a viver como antes; seremos conscientes e solidários como demonstraram comunidades precárias como Paraisópolis em SP. Outros apostam em padrões isolacionistas e segregados, baixo convívio social, morte dos espaços públicos das cidades, valorização de condomínios fechados, individualismo nos transportes, deslocamento de bikes e, de preferência, em carros particulares. Muitas dessas medidas dizem respeito aos meios de transporte, diante da necessidade do distanciamento social para evitar propagação do vírus e sobrecarga ao sistema de saúde.
Estudos mostraram impactos da quarentena sobre o meio ambiente, como a redução de carros nas ruas, positivos não só na qualidade do ar, mas também na redução de ruídos e poluição visual do tráfego intenso dos automotores. Cidades como Bogotá, Nova York e Paris, ampliam ciclovias, ciclofaixas, paraciclos e bicicletas públicas, complementarmente ao transporte coletivo. Incentivos financeiros para incentivar a bicicleta que, além de ecologicamente sustentável, traz efeitos à saúde e humanizam as cidades. O favorecimento de transporte não motorizados, inclusive o deslocamento a pé, e oferta de transporte coletivo eficiente, seguro e não poluente, é tendência nos países civilizados em termos de mobilidade urbana. A conjuntura propicia a reflexão sobre os rumos do mundo pós-pandemia, como oportunidade para corrigir erros do passado e avançar medidas para uma sociedade mais justa, inclusiva e solidária.
Para fomentar o debate, considerando que o vírus tem obrigado o isolamento social e redução da mobilidade, esta se constitui como fator de ampliação do risco de transmissão, sobretudo os transportes públicos coletivos, pela proximidade física entre passageiros nos veículos, filas e aglomerações nas estações do metrô, terminais e paradas de ônibus.
A maioria das cidades brasileiras oferece condições boas para meios não motorizados de transporte, e tem caído a demanda pelo transporte coletivo nos mostra o IBGE. Mas cresceu a frota motorizada de carros e, sobretudo, motos, provocando congestionamentos, poluição atmosférica, sonora e visual, colisões e atropelamentos, sedentarismo e demanda por espaços (pistas e estacionamentos) como problemas da dependência do automóvel.
A Política Nacional de Mobilidade Urbana estimula a participação da sociedade no planejamento, fiscalização e avaliação da política local de mobilidade urbana, e a prioridade dos modos de transporte não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado.
Inspirado na Rede Urbanidade pela Mobilidade Urbana e o Transporte Público Sustentável do Distrito Federal, formada por representantes da sociedade civil e Ministério Público e Territórios, coordenada pelo Promotor Denio Augusto, da Promotoria da Ordem Urbanística, apresento medidas para esse contexto da pandemia:
1 – Flexibilização de horários e turnos em órgãos públicos e privados, nas funções que não podem ser exercidas em teletrabalho, sem prejuízo da prestação do serviço e da remuneração dos trabalhadores;
2 – Bloqueio de faixas de rolamento para utilização exclusiva por usuários de bicicletas e patinetes, mesmo elétricos, ou outros meios de locomoção não motorizados;
3 – Regras sobre a lotação máxima permitida em cada tipo de transporte (metrô, BRT, ônibus), garantindo distanciamento mínimo de segurança no interior dos veículos e locais de embarque e desembarque, bem como a obrigatoriedade de desinfecção e uso de máscaras por funcionários das empresas e usuários do transporte;
E para o pós-pandemia:
1 – Recuperação, ampliação e qualificação das malhas cicloviária e calçadas, garantindo condições de uso como iluminação, sinalização, pavimento, acessibilidade, capilaridade e integração com outros modais de transporte;
2 – Disponibilização de bicicletários/paraciclos com controle de acesso nas estações e terminais de transporte coletivo e locais de grande circulação de pessoas;
3 – Adoção de incentivos para uso da bicicleta como meio de transporte, diante dos benefícios para a saúde e bem estar, além dos impactos positivos sobre o meio ambiente; 3. Bloqueio de vias para utilização exclusiva por ciclistas, pedestres e usuários de outros meios de locomoção não motorizados nos finais de semana e feriados;
4 – Promoção de atividades educativas culturais incentivando a bicicleta como meio de transporte;
5 – Medidas para incentivar o uso de meios coletivos de transporte;
6 – Cobrança nos estacionamentos públicos destinando a arrecadação à mobilidade;
7 – Campanhas publicitárias com recursos oriundos de multas decorrentes de infrações de trânsito e da cobrança pela utilização de estacionamentos públicos para incentivar o respeito aos pedestres e ciclistas, e utilização de meios de transporte coletivos;
8 – Medidas para distribuir de forma democrática benefícios e ônus concernentes aos meios de transporte utilizados pela população, tanto quanto aos custos quanto ao acesso aos espaços urbanos;
9 – Expansão do sistema público de compartilhamento de bicicletas; e
10 – Revisão dos Planos Diretores de Transportes Urbanos integrados à atualização dos Planos Diretores Municipais adequando essas leis a um sistema de mobilidade urbana sustentável.