Mais de 800 pacientes, com quadros clínicos diversos, morreram em abril, maio e junho à espera de transferência para leitos de enfermaria e UTI. Coordenadoria de Saúde e Tutela Coletiva diz que entre esses casos pode haver infectados por coronavírus
Levantamento da Defensoria Pública do Rio aponta que nos meses de abril, maio e junho pelo menos 730 pacientes, com quadros clínicos diversos, inclusive insuficiência respiratória, morreram na rede de urgência/emergência pública municipais e estadual localizada em território fluminense, à espera de internação em enfermaria ou UTI. Outras 104 pessoas faleceram em unidades pré-hospitalares antes mesmo que o pedido de transferência fosse formalizado no Sistema Estadual de Regulação (Sisreg).
O número de óbitos no período pode ter sido ainda maior: o relatório da Defensoria reúne informações fornecidas por 37% das unidades com setores de estabilização ou de atendimento emergencial existentes no Estado. Das 187 unidades com esse perfil, 69 responderam a ofício enviado por defensoras públicas com pedido de informações sobre óbitos ocorridos na fila de espera por leitos de internação de média e alta complexidade.
Esses e outros indicadores, segundo a coordenadoria de Saúde e Tutela Coletiva da Defensoria, podem sinalizar que o número de mortes por covid-19 no estado seja muito superior ao que vem sendo divulgado. Nesta terça-feira (22), a Defensoria encaminhou a 7ª Vara de Fazenda Pública petição solicitando que a Justiça obrigue o Estado a dar informações precisas sobre testagem para coronavírus nos pacientes da rede pública e esclarecimentos sobre os critérios utilizados para calcular a taxa de ocupação dos leitos e a incidência de óbitos motivados pela covid-19.
Além disso, as quatro defensoras públicas da Coordenadoria de Saúde requerem que o Estado também se manifeste sobre os dados mencionados na petição, quase todos tendo por base Nota Técnica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), de DATA. Um dos números mais relevantes refere-se justamente aos chamados “óbitos desassistidos”.
A Fiocruz constatou que, em abril e maio, houve aumento de 110% na quantidade de pacientes falecidos, com os mais variados quadros clínicos, em unidades de saúde não hospitalares, indicando “falhas na rede de atenção, tanto pela falta de diagnóstico oportuno dos pacientes, quanto pela incapacidade de encaminhar estes pacientes a serviços de saúde de maior complexidade, como as UTIs de hospitais”.
— Pacientes infectados por covid-19 que necessitam de internação podem estar falecendo nas unidades de urgência e emergência sem que esta demanda de saúde esteja transparecendo nos indicadores selecionados no Plano de Monitoramento e muito menos na fila de espera do Sistema Estadual de Regulação — resume a coordenadora de Saúde e Tutela Coletiva, Thaisa Guerreiro.
A defensora pública prossegue:
— Os casos e óbitos classificados como causados por síndrome respiratória aguda constituem, apenas, uma fatia do universo de casos suspeitos e confirmados de covid-19. Para conseguir um retrato, em números, da real situação epidêmica no Estado do Rio de Janeiro, notadamente diante da baixíssima capacidade de testagem, seria de fundamental importância associar as taxas de variação de casos e óbitos de síndrome respiratória com indicadores que permitissem contabilizar, também, os casos suspeitos, os confirmados e os casos assintomáticos em fase aguda da doença, assim como os óbitos em verificação — ela explica.
Ao cobrar explicações do governo do Estado sobre o Plano de Monitoramento para Tomada de Decisão no Enfrentamento à Pandemia de Covid-19 no Estado do Rio de Janeiro (parâmetro para os decretos de flexibilização do isolamento social em vigor), a petição da Defensoria Pública destaca que não é claro se nele estão incluídos “apenas os óbitos ocorridos em unidades hospitalares, ou se também foram computados os óbitos verificados em unidades pré-hospitalares, residência e via pública”
Além disso, muitos pacientes foram internados em leitos não consignados no Plano Estadual de Contingência. “Há fortes indícios de que a taxa de ocupação hospitalar do Estado foi ou ainda está subestimada, pois que estes pacientes deveriam estar, na verdade, internados nos leitos livres e ociosos dos hospitais de campanha e de outras unidades de saúde de referência para a covid-19 previstos no Plano Estadual de Contingência. Logo, é grande a probabilidade de a taxa de ocupação hospitalar utilizada como um importante indicador (de maior peso, na verdade) no Plano de Monitoramento estar subestimada comprometendo a correção do nível de segurança informado”, destaca o documento da Coordenadoria de Saúde e Tutela Coletiva.
A petição reitera outros dados da Nota Técnica emitida pela Fiocruz, segundo a qual “167 leitos de UTI em hospitais públicos e 209 leitos de UTI em hospitais filantrópicos, ambos não incluídos no Plano Estadual de Contingência, estavam ocupados por pacientes com suspeita ou diagnóstico confirmado de covid-19“.
— O principal indicador é a taxa de ocupação de leitos. Se o Estado sequer aponta quais leitos estão sendo considerados para fins de cálculo, resta enorme incerteza se o indicador empregado no Plano de Contingência propicia a segurança e a exatidão necessárias para pautar as medidas de flexibilização e garantir um movimento transparente de retomada. A grande preocupação da Defensoria está no fato de que um indicador de tamanha importância não leve em conta fatos concretos e possa ter sido construído de forma falha e imprecisa pelos gestores — argumenta a subcoordenadora de Saúde e Tutela Coletiva, Alessandra Nascimento.