Notícia que circulou nessa semana – – dá conta de que a 2ª Vara Criminal, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), em sentença proferida pelo juiz André Ferreira de Brito, absolveu o militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Francinaldo Alves Correia, conhecido como Joba, depois que o Ministério Público (MP) o acusou de agressão contra policiais militares durante uma manifestação por reforma agrária em fevereiro de 2014, na Esplanada dos Ministérios.
Importante decisão. Na conjuntura. O professor e advogado Antonio Escrivão Filho, ao seu jeito, assim esclarece e comenta, como ele diz, “o causo”:
“Congresso do MST, milhares de pessoas acampadas no ginásio… último dia é dia de marcha, a já famosa serpente vermelha na esplanada, última vez que ela apareceu… chegando na praça dos três poderes, haveria um ato de denúncia pela impunidade ao massacre de Eldorado dos Carajás.
Havia um caminhão com cruzes e outros elementos para o ato. Eram centenas, talvez milhares de pessoas, e uma dezena de policiais, quando um deles assumindo aquele heroísmo imbecil e tipicamente militar quis impedir que as cruzes fossem descarregadas do caminhão para a realização do ato. Mas ele estava diante do “movimento social mais importante do mundo”, diria Celso Furtado, se perguntada a sua opinião.
As lideranças do movimento foram explicar e instruir o policial que era ele ali quem violava a lei e o direito de manifestação, mas a resposta para o argumento jurídico, político e social foi o cassetete.
Ocorre que na sua soberba de autoridade, os policiais se esqueceram de usar a matemática: imediatamente, dezenas de militantes indignados responderam com o mesmo argumento.
Mas era o “mais importante movimento social do mundo”. Ato contínuo, as lideranças do movimento foram conter os próprios militantes, sabendo que a sua força seria avassaladora sobre aqueles poucos indivíduos que, àquela altura, já pareciam indefesas crianças arrependidas da travessura. Um deles, talvez o mais expressivo, atendia pelo nome de Francinaldo, mas só respondia quando o chamavam de Joba.
Joba era dirigente nacional do setor de direitos humanos do MST. Como se colocou entre o povo e os policiais, quando a situação foi controlada (pela ação de pessoas como Joba) ele foi agarrado pelos policiais para ser oferecido como o responsável pelo espancamento de dez policiais, armados.
Após alguns minutos de tensão com a levada de Joba para um local desconhecido, a chuva de ligações de deputados para o secretário de segurança do DF fez ele aparecer, intacto.
É fato que na delegacia não faltaram policiais enfaixados, com escoriações no rosto e nos braços. Em que pese a violência não ter graça, é de confessar que o próprio Joba não escondeu o sorriso irônico ao prestar o depoimento, quando o delegado perguntou se ele era o responsável pelas agressões: “de dez policiais militares armados, dr?!”
6 horas depois dos depoimentos dos policiais “atacados”, Joba foi fichado e liberado.
Respondeu ao inquérito, e o digníssimo representante do ministério público ofertou a denúncia. Um caso típico e cotidiano, longe dos holofotes e das agendas de ocasião: sem provas, cheio de convicção”.
Certo que a sentença, menos aguda na decisão, validando-se na insuficiência de prova da incriminação específica, não ignora o pano de fundo que levou ao incidente: “no dia dos fatos manifestantes ligados ao MST realizaram uma “marcha” pela Esplanada dos Ministérios. Há um relato de confronto inicial quando Policiais Militares impediram o avanço dos militantes sobre Palácio do Planalto, tendo estes ultrapassado grades existentes no local. Em outro momento e local, ainda na Esplanada, próximo a um ônibus, os Policiais Militares atuaram com vistas a evitar que os manifestantes mantivessem a posse de cruzes de madeiras que eram retiradas do ônibus”.
Em tempos de exceção, recrudesce a violência e ação estratégica anti-movimentos sociais. Conforme dissemos Renata Vieira e eu – , “compulsando algumas agendas que conformam o tema geral do direito à terra e à reforma agrária, notadamente desde a conjuntura que antecede o golpe parlamentar-judicial-midiático, que levou ao afastamento da presidenta Dilma Rousseff e, com ela, à derrocada do projeto popular-democrático que abriu ensejo à construção dessas agendas e, logo, à instalação de uma governança a serviço do modelo capitalista de concentração da terra e do território, nota-se a dupla face dessa agressividade. A primeira, bruta e cruenta na linha do coronelismo que baliza o processo oligárquico, que caracteriza a nossa formação econômica, social e política: a criminalização da reivindicação social (com a pretensão de tipificar as formas de luta no elenco do crime de terrorismo) e a volta legal ao armamentismo que equipa as milícias urbanas e rurais a serviço a propriedade e do latifúndio.
A outra face, mais sutil, mas não menos instrumental é a do disfarce legislativo, embutido na estratégia de desconstitucionalização em curso no país. Nos referimos à Proposta de Emenda à Constituição, subscrita pelo Senador Flávio Bolsonaro, com assinaturas de apoio de conhecidos membros da bancada ruralista, que tem por objetivo “alterar os artigos 182 e 186 da Magna Carta de 1988 para definir de forma mais precisa a função social da propriedade urbana e rural e os casos de desapropriação pelo seu descumprimento”.
Mais recentemente, há notícia de objeção a esse desiderato legislativo: Brasil de Fato | Brasília (DF) | 09 de Dezembro de 2021. Mas, como adverte nosso colega de Grupo de Pesquisa Eduardo Lemos, “esse projeto de lei que trata de uma política nacional antiterrorista. Cria uma definição genérica de terrorismo (basicamente política) e define orçamento para criação de um sistema nacional antiterrorismo que será treinado com Cooperação internacional e terá amplos poderes para investigar, utilizar de inteligência e devassar a vida de quem for suspeito de terrorismo”, ainda é uma ameaça de criminalização dos movimentos sociais: “retirou a urgência mas o projeto tramita nas comissões, em todas já tem parecer do relator”.
A sentença que absolveu Joba, ainda que circunscrita, se presta a denunciar a face miliciana do processo de criminalização. A CPT (Comissão Pastoral da Terra), criou uma página para monitoramento de assassinatos de trabalhadores do campo – . Para esse organismo da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), “nesse crescente de massacres dos últimos 20 anos, que se inicia em 2017, constata-se um “novo boom” que reflete um período onde a conjuntura política e a consolidação da extrema direita nas estruturas legislativas e executivas, beneficiam diretamente o avanço do agronegócio, garimpo, desmatamento e queimadas. Nesse período, 50 pessoas foram vitimadas fatalmente, em 9 massacres”.
A conjuntura nos distanciou um tanto daquele momento hermenêutico quando o STJ (Superior Tribunal de Justiça), em decisão emblemática (habeas-corpus no. 4.399-SP, em que foram pacientes Diolinda Alves de Souza e outras lideranças do MST), na qual teve relevo o voto proferido pelo Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, não só lavrou o entendimento de que “não pode ser considerado esbulhador quem ocupa terra para fazer cumprir a promessa constitucional da reforma agrária”. Mais que isso, abrigando o cuidado que o juiz André Brito intuiu em sua decisão, ressalvou que “ordem pública, clamor público precisam ser recebidos com cautela. Podem ser gerados artificialmente, para dar ideia de inquietação na sociedade. Clamor público, ademais, não se confunde com reações (às vezes organizadas) de proprietários de área que possam vir a ser desapropriadas para a reforma agrária”. No caso dos pacientes, “há sentido, finalidade diferente. Revela sentido amplo, socialmente de maior grandeza, qual seja, a implantação da reforma agrária”, objeto de promessa constitucional (Sobre isso conferir também em texto meu com Renata Vieira – ().
(*) José Geraldo de Sousa Junior – é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB). Escreve quinzenalmente para o Jornal Brasil Popular.
José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.
Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.
Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).
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