Milhões de jovens brasileiros, em especial os de baixa renda, correm o risco de não realizar o sonho de cursar uma faculdade nos próximos anos porque não conseguirão pagar as altas mensalidade ou não terão acesso a bolsas de estudos, encerrando o ciclo iniciado nos governos de Lula e Dilma, do PT, que facilitaram o acesso às universidades com a criação do Programa Universidade para Todos (ProUni).
Se o projeto de reforma Tributária do governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL), que cria um novo imposto sobre o consumo, for aprovado, as universidades deverão aumentar as mensalidades escolares para 10 milhões de famílias brasileiras, o que poderá tirar de seus bancos 600 mil alunos, segundo estimativas do setor de ensino privado.
A proposta do governo, que foi apresentada ao Congresso Nacional pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, propõe substituir a cobrança do PIS e da Cofins por um novo imposto denominado Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), cuja alíquota será de 12% para todos os setores, com exceção aos bancos que, que têm lucros bilionários, mas pagarão somente 5,8%.
Se aprovada, a medida valerá também para as instituições de ensino, que hoje contribuem com a alíquota de 3,65%. É exatamente o ‘pulo’ para 12%, previsto no projeto, que resultará em aumento das mensalidades e tornará ainda mais difícil a vida desses milhões de jovens, que já têm dificuldades, atualmente, para arcar com os custos da formação.
De acordo com reportagem publicada pelo Estadão, o secretário executivo, do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular, Celso Niskier, as mensalidades poderão ficar até 10,5% mais altas, no caso das universidades. Ele diz ainda que para não haver aumento, a alíquota do novo imposto deveria ser de, no máximo, 5,5%.
O acesso de jovens às universidades por meio do ProUni também será prejudicado porque o novo imposto inviabiliza a oferta de bolsas de estudo de 50% e 100% para jovens de famílias de baixa renda. Isso porque, o cálculo quanto ao número de bolsas a serem ofertadas a cada ano leva em consideração o número de matrículas feitas no setor privado até o mês de março do ano anterior. Quanto mais alunos ‘pagantes’, maior é a oferta de bolsas.
E aí é que está o entrave
Para Claudia Regina Baukat Silveira Moreira, professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (PPGE-UFPR) e pesquisadora do Núcleo de Políticas Educacionais (NuPE) da universidade, o programa está ameaçado porque o número de alunos pagantes deve diminuir com o aumento das mensalidades.
Outro fator, diz a pesquisadora, é a crise econômica brasileira, agravada pela pandemia do novo coronavírus. “Está muito claro que as instituições já perderam muitos alunos pagantes este ano, por causa da crise. E é evidente que a captação de novos alunos também está prejudicada”.
De acordo com a professora, em um quadro de aprofundamento da crise pela pandemia, com perda de renda, o que se costuma fazer é cortar despesas.
“Se eu consigo me virar sem essa despesa [educação], vou cortar esse custo, ainda com a esperança de retomar os estudos em médio ou longo prazo”, diz.
Com isso, o resultado é um menor número de pagantes e um menor número de bolsas para estudantes de baixa renda, o que significa um desmonte do programa.
Ataque sem fim à educação
A professora da UFPR avalia que as mudanças propostas na tributação que afetam as instituições de ensino fazem parte de um ‘movimento de destruição da democratização da educação’, que para ela é uma realidade que já existe há quatro anos no Brasil e tem se potencializado desde 2019. O período coincide com o golpe de Estado que tirou do poder a presidenta Dilma Rousseff.
“As consequências são amplas. Primeiro porque estamos estrangulando o acesso de toda uma geração de jovens à educação superior. Não teremos mais profissionais formados e o que é pior, com a tendência de termos apenas o acesso restrito a extratos da população que têm condições financeiras”, diz a professora.
De acordo com a professora, quando um profissional se forma via programas sociais a tendência de retorno social de sua atividade é muito maior. “Quando a pessoa acessa um direito como é a educação superior, por meio desses programas, existe a possiblidade de a gente, enquanto sociedade, cobrar algum tipo de retorno social desse investimento feito. Isso tudo fica vedado a medida que a educação superior se torna um bem privado”, diz Claudia Baukat Moreira.
Mercado de Trabalho
Paralelamente ao acesso à formação pelos jovens, é necessário ofertar vagas de trabalho. Para a professora, de nada adianta oferecer formação se os jovens não conseguem se inserir no mercado de trabalho.
“Estamos vendo a destruição do mercado de trabalho, o desalento da juventude e nós, adultos com trajetória já consolidada, temos como tarefa histórica estar ao lado da juventude para lutar por uma maior inclusão social, para a redução das desigualdades”, diz a professora.
Para ela, a redução da desigualdade é meta prioritária da sociedade brasileira. Ela chama atenção para o cenário social e político brasileiro. “Estamos assistindo nos últimos anos justamente decisões tomadas pelo governo, no sentido contrário, ou seja, de ampliação de desigualdade e exclusão”, ela diz.
Combater desigualdade e exclusão não é meta do governo Bolsonaro
“O compromisso de Paulo Guedes é com o mercado financeiro. Ele é um sujeito do mercado financeiro”. Assim define a professora Claudia Baukat ao avaliar a atuação do governo.
Por isso, diz, está fora do horizonte desse projeto de governo, qualquer compromisso com redução de desigualdades.
Para o setor educacional, o rumo dessa política aponta para a concentração do ‘mercado de educação’ para os grandes grupos chamados consolidadores. São corporações com capital aberto em bolsa que não têm como prioridade projetos educacionais e sim atender aos anseios de seus acionistas.
Menos ainda desenvolver projetos educacionais que permitam acesso de todos ao ensino superior. A educação se torna elitizada, conforme apontou a professora, dirigida somente a quem tem poder aquisitivo para pagar as mensalidades, que agora deverão ficar mais caras, se a proposta de Guedes passar.
Entre as maiores corporações estão a Cogna, que controla faculdades como Anhanguera e Unopar; Unip e Laureate, controladora das universidades FMU, Anhenmi Morumbi e Uniretter.
Aproximadamente 45% do ‘mercado de educação’ está na mão dessas e de outras três corporações.
“Se levarmos em consideração que, no setor privado, eram seis milhões de matrículas em 2018, estamos falando em 2,5 milhões de matrículas só nas mãos de seis grupos que não tem comprometimento com o projeto de educação. Por isso, a gente começa a ver o desmonte de projetos que teriam potencial interessante de educação superior”, critica a professora.
E pelo viés da iniciativa privada, o desmonte acontece pela demissão em massa de professores porque o objetivo das corporações sempre será “cortar custos”
Por sua vez, o ministério da Economia, ao permitir que uma reforma tributária penalize estudantes com mensalidades mais altas e dificulte ou impossibilite o acesso a bolsas de estudo pelo ProUni, mostra que, de acordo com Claudia Baukat Moreira, “não tem comprometimento nem com justiça tributária, nem com justiça social e nem com o que deveria ser a prioridade: a redução das desigualdades”