O Observatório da Covid-19 BR divulgou, nesta semana, uma carta ao Brasil e ao mundo sobre a situação da pandemia do novo coronavírus no País. No documento, 35 pesquisadores destacam que o Brasil vive uma crise sem precedentes, com sistema hospitalar em colapso, sobrecarga do sistema de saúde e impasses quanto ao auxílio emergencial, que a situação poderia ter sido evitada se governantes tivessem adotado políticas públicas com antecedência e baseadas nas melhores evidências científicas e que, na nota, eles(as) apresentam o que consideram ser decisões de mitigação de danos a serem adotadas imediatamente.
O Observatório da Covid-19 é feito por 85 pesquisadores, 28 instituições, 27 estados e 71 municípios e informa que se trata de uma iniciativa independente que trabalha para disseminar informações de qualidade sobre a atual pandemia da Covid-19, baseando-se em dados atualizados e na metodologia científica. Entre as instituições, destaque para a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual do Ceará, Universidade Estadual de Campinas, Universidade Federal do Maranhão, Universidade Federal do ABC (UFABC), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, entre outras.
O Brasil perante uma crise sanitária e humanitária
18 de março de 2021 • Observatório COVID-19 BR
O número de casos e mortes por COVID-19 atingiu dimensões assombrosas no Brasil. Este crescimento sem precedentes está agora causando o colapso generalizado do sistema hospitalar e a sobrecarga dos outros níveis do sistema de saúde que vemos na maioria dos estados do país. Esta situação foi antecipada, e medidas para evitá-la poderiam ter sido adotadas há meses, quando já se sabia que as ações vigentes eram insuficientes ou inadequadas e não tiveram a adesão necessária, e que variantes mais transmissíveis do vírus estavam surgindo. A falta de ações de mitigação ou supressão em tempo hábil resultou no estado de emergência no qual, lamentavelmente, nos encontramos.
Somamo-nos às muitas vozes que chamam atenção para a gravidade do momento. O que o Brasil está vivendo é uma catástrofe sanitária. Por todo o país, as taxas de ocupação de leitos de UTI já passam dos 80% e, em mais da metade dos estados, já ultrapassam 90%. Listas de espera por vagas em UTI foram criadas, sendo a cada instante mais frequente a morte de pessoas à espera por vagas hospitalares. Também há esgotamento dos estoques de medicamentos, assim como é dramática a dificuldade de reposição de oxigênio nos hospitais por causa do aumento do consumo. Soma-se a isso a escassez de profissionais de saúde qualificados para atuar em UTIs, emergências e demais serviços de porta aberta, além da sobrecarga física e mental destes profissionais. Milhares de pessoas com indicação clínica de cuidados intensivos estão internadas fora de UTIs, sem assistência adequada, e sem a possibilidade de transferência para outras regiões do país, porque todas se encontram sobrecarregadas. Se é certo que precisamos aumentar o número de leitos e buscar todos os insumos para a adequada assistência hospitalar, também é certo que isso não detém o espalhamento do vírus e não se dá na mesma velocidade da disseminação da doença. Mesmo as pessoas que têm acesso a leitos de UTI têm um risco alto de morrer. Em resumo, se mantido o crescimento acelerado atual do número de casos, não há possibilidade de atendimento hospitalar adequado e o número de mortes evitáveis vai aumentar ainda mais.
Diante dessa situação de calamidade, temos que fazer imediatamente tudo o que está ao alcance para cuidar das pessoas já acometidas pela COVID-19, e também conter as cadeias de transmissão do vírus. Além de assegurar a expansão de leitos de UTI equipados, com profissionais adequadamente treinados de modo a reduzir a letalidade, o governo deve implementar e reforçar ações coordenadas nacional e regionalmente de redução drástica da circulação de pessoas, com fechamento de estabelecimentos que prestam serviços não essenciais e restrição de viagens não essenciais entre municípios e estados. Deve, também, reforçar a comunicação com mensagens claras e mais explícitas sobre a necessidade de proteção individual. Ato contínuo, devem acompanhar rigorosamente o efeito dessas medidas e planejar a forma segura de reabertura gradual dos setores fechados. Reforçar investimentos para melhoria da vigilância epidemiológica e genômica são essenciais para que novos colapsos e picos de casos, hospitalizações e óbitos não ocorram.
Junto a essas ações, é também necessária a adoção imediata de medidas de proteção social para as pessoas mais vulneráveis e para os setores afetados. Nesse contexto, entendemos o auxílio emergencial não como uma medida econômica, mas como uma política de saúde pública. O valor do auxílio deve ser suficiente para que as pessoas parem de circular e permaneçam em casa. Só assim o auxílio emergencial contribuirá para conter as cadeias de transmissão. A proposta do governo de reinstituir o auxílio a partir de R$ 150,00 mensais, chegando a um máximo de R$ 300,00 por mês, para um número bastante restrito de pessoas, não condiz com esta necessidade. Só é possível viabilizar o fechamento de serviços e comércio com uma política que atenda às necessidades dos mais vulneráveis. O fechamento de estabelecimentos não-essenciais precisa ser acompanhado do retorno do auxílio emergencial ao valor de R$ 600,00 para garantir a subsistência das famílias nesse momento de alta inflação nos itens da cesta básica. Para as empresas afetadas pela pandemia, linhas de créditos, redução de impostos e outras ações no campo econômico são também importantes.
Na irresponsável ausência de coordenação por parte do governo federal frente à calamidade que vivemos, é necessário que os governadores e prefeitos ajam de acordo com as melhores informações e evidências científicas disponíveis, de forma tempestiva e consonante com a gravidade do momento. A passividade neste momento não é uma opção aceitável e, inexoravelmente, levará a óbitos que poderiam ser evitados, ao aumento de pessoas que viverão com sequelas da COVID-19 e a uma retomada econômica mais lenta e tardia.
Outro ponto chave é a comunicação do poder público com a população. A comunicação precisa ser clara, franca e objetiva, dando a dimensão exata da situação sanitária e de quais medidas de prevenção são realmente efetivas. Além disso, investimentos e ampliação da testagem e rastreamento de contatos são componentes fundamentais para controle da pandemia, exigindo reforços nas equipes de vigilância epidemiológica. Por fim, é urgente investir na vacinação em massa da população em esforço coordenado dos três níveis de gestão e seguindo as responsabilidades previstas no Programa Nacional de Imunizações. Apenas com medidas de contenção do vírus e com a grande maioria da população vacinada o Brasil dará os passos para sair dessa crise sem precedentes.
Quanto a ações individuais, é preciso que as pessoas estejam ainda mais atentas às medidas já conhecidas: que fiquem em casa sempre que possível, que respeitem as recomendações de distanciamento físico e de não aglomeração, e que usem adequadamente máscaras eficazes. O uso de máscara, em virtude de sua eficácia comprovada na redução da transmissão do SARS-CoV-2, deve não somente ser incentivada pelos gestores de todos os entes, mas também viabilizada através da doação de máscaras com padrão adequado como também ser uma política ativa de estados e municípios com capacidade de fornecê-las às populações em situação de vulnerabilidade e trabalhadores de serviços essenciais.
As decisões a serem tomadas nos próximos dias terão grande impacto no futuro da epidemia no país. Não há tempo a perder. A superação deste estado de calamidade depende de uma ação forte, coordenada, dialogada com a sociedade e baseada nas melhores evidências científicas. Só assim poderemos reduzir a carga de casos e mortes por COVID-19 no país e possibilitar a retomada de níveis normais de atividade social e econômica.
Pelo Observatório Covid-19 BR
Alexandra Crispim Boing – UFSC
Ana Cristina Vidor – Vigilância Epidemiológica de Florianópolis
Ana Freitas Ribeiro – Instituto de Infectologia Emílio Ribas
Andrea Sánchez-Tapia – Observatório Covid-19 BR
Antônio Augusto Moura da Silva – UFMA
Antonio Fernando Boing – UFSC
Brigina Kemp – Cosems
Caroline Franco – UNESP
Cláudio Maierovitch Pessanha Henriques – Fiocruz
Flávia Ferrari – Observatório Covid 19 BR
Flávia Maria Darcie Marquitti – Unicamp
Guilherme Loureiro Werneck – UERJ
Guilherme Valle Moura – UFSC
Janaina Vargas de Moraes Maudonnet – Observatório Covid-19 BR
José Cássio de Moraes – FCMSCSP
Josimari Telino de Lacerda – UFSC
Laura Segovia Tercic – Unicamp
Leonardo Bastos – Fiocruz
Lorena Barberia – USP
Luiz Celso Gomes Jr. – UTFPR
Marcelo Eduardo Borges – Observatório Covid-19 BR
Marcelo Gasparian Gosling – Observatório Covid-19 BR
Marcia Castro – Harvard University
Maria Amélia Veras – FCMSCSP
Maria Rita Donalisio – Unicamp
Monica de Bolle – Johns Hopkins University
Paulo Inácio K. L. Prado – USP
Rafael Lopes Paixão da Silva – UNESP
Raphael Parmigiani – Observatório Covid 19 BR
Renato M. Coutinho – UFABC
Roberto A. Kraenkel – UNESP
Tatiana P. Portella – USP
Tatiane Moraes – Fiocruz
Verônica Coelho – INCOR/USP
Vitor Mori – University of Vermont
Esta carta expressa exclusivamente a posição dos signatários. Não expressa o posicionamento das instituições a que os signatários estão vinculados.