Durante todo o seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro, incapaz de propor qualquer medida política que não seja brutalmente entreguista e antipopular, tem se dedicado a levantar pautas e agendas de cunho marcadamente diversionista, a fim de manter a sua militância acesa em torno de temas alheios ao que a população espera de um chefe de Estado.
Um dos muitos exemplos é a denúncia de fraude na urna eletrônica, potencializada após as suspeitas levantadas por Donald Trump nas eleições de 2020 dos Estados Unidos da América (EUA), mesmo que lá o voto seja no papel. Exceto pela fanfarronice alucinatória de atribuir a Cuba, à China e à Venezuela o poder de adulterar a contagem de votos no sistema eleitoral brasileiro, a denúncia feita por Bolsonaro merece ser levada a sério, até mesmo porque ele não foi o primeiro a fazê-la, tendo sido antecedido, de forma muito mais correta e coerente, por ilustres nomes como Leonel Brizola, Enéas Carneiro e Roberto Requião, todos francamente comprometidos com os mais altos interesses nacionais.
O que Bolsonaro não diz é justamente o ponto mais importante de qualquer crítica consequente às tecnologias adotadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o de que o sistema de armazenamento e contagem de votos adotado desde 1996 é contratado à empresa estadunidense Oracle [1], notoriamente ligada à CIA e ao NSA [2].
Desse modo, a questão realmente significativa não é a auditabilidade da urna eletrônica ou a possibilidade de impressão do voto, mas o controle das eleições brasileiras pelas organizações de inteligência e vigilância dos EUA, o que em princípio tornaria virtualmente impossível qualquer auditoria e, mais do que isso, anula o princípio básico da democracia que é a soberania popular e, portanto, nacional.
Não se trata de dizer que todos os resultados eleitorais desde 1996 foram fraudados e ilegítimos, pois isso seria impossível de provar com os dados que dispomos hoje. Preocupante é a possibilidade de fraude das eleições brasileiras sempre que a elite do poder estadunidense assim quiser. Estarrecedor, também, é o silêncio cúmplice das classes política, judiciária, militar e midiática como um todo quanto a essa clara subjugação brasileira. Um país realmente livre e soberano não pode confiar a outro, ainda mais um adversário histórico, a responsabilidade por gerenciar o seu processo eleitoral, e muito menos isso pode ser naturalizado.
Para a democracia brasileira ser minimamente genuína e efetiva, é preciso desatrelar as eleições do sistema de poder estadunidense. Seja o voto eletrônico ou impresso, a sua contagem deve ser feita por instituições brasileiras e responsáveis perante o povo brasileiro, o agente por definição da democracia e da soberania nacionais. Discutir quem controla a urna brasileira não significa legitimar teorias conspiratórias e reverenciar o atual presidente brasileiro, mas compreender e situar a política brasileira e a quais poderes ela serve.
(*) Por Felipe Maruf Quintas, mestre e doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
[1] – https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2020/Novembro/nota-de-esclarecimento-sobre-nuvem-para-contabilizar-votos
[2] – https://gizmodo.uol.com.br/oracle-interesse-comprar-tiktok/
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