O Censo Escolar de 2023 expõe váriosnúmeros preocupantes em relação ao atendimento escolar no ensino médio, assim como em outras áreas da educação básica. As matrículas totais na etapa média caíram 2,4% em relação a 2022, mesmo o país tendo 68 milhões de jovens e adultos com 18 anos ou mais de idade sem ter concluído o nível básico. A taxa líquida de matrículas entre os jovens de 15 e 17 anos foi de 75%, abaixo da média definida na meta 3 do Plano Nacional de Educação (85%). Apenas dois estados atendem mais de 50% dos estudantes do ensino médio em escolas de tempo integral, sendo que em 11 deles e no Distrito Federal a taxa ficou abaixo de 15%. Quase meio milhão de jovens abandonaram a escola durante o ano letivo e 300 mil reprovaram em alguma disciplina. Ou seja: a ineficiência absoluta no ensino médiofoi de aproximadamente 10% das matrículas.
Além de mais investimentos financeiros, estruturais e pedagógicos, o Censo Escolar 2023 nos lança o desafio de conjugar as reais necessidades dos estudantes e de toda a comunidade escolar com as políticas públicas para a educação. A dissociação das prioridades socioeducacionais com as leis é condicionante-chave para o insucesso escolar.
A Conferência Nacional de Educação 2024 (Conae) envolveu a participação de estudantes, trabalhadores/as em educação, gestores públicos, pais, mães e responsáveis em 4.337 municípios do país. Ela se constituiu numa das maiores capilaridades para o debate público educacional e uma referência mundial atestada por membros da Direção Executiva da Internacional da Educação – IE, que estiveram presentes na Conae.
A Conae aprovou um conjunto de orientações para reformular o ensino médio e para integrar o próximo PNE, com base nas experiências de quem estuda, trabalha e participa cotidianamente das escolas, não podendo ser ignorado pelos poderes Executivo e Legislativo nacionais. É pela base que devemos priorizar as políticas educacionais. E os integrantes das diferentes etapas da Conferência Nacional de Educação indicaram as seguintes prioridades para o ensino médio:
- investir na imediata universalização do ensino médio e romper com o processo de privatização da escola pública;
- elevar a taxa líquida de matrículas no ensino médio de forma a universalizá-la no decorrer do próximo PNE;
- garantir o ingresso, a permanência e a conclusão do ensino médio em escolas de tempo integral aos estudantes de baixa renda através de bolsa-auxílio ou similar;
- assegurar o direito à educação de maneira plena, proporcionando uma formação de qualidade que prepare os/as estudantes não apenas para o mundo do trabalho, mas também para a cidadania, investindo na gestão democrática das escolas;
- revogar as políticas que reduzem o atendimento público e a emancipação curricular, a exemplo da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), da Base Nacional Comum para a Formação de Professores (BNC-Formação) eda Reforma do Ensino Médio (Lei nº 13.415/2017).
Ainda antes da Conae, em meados de 2023, atendendo a reivindicação da sociedade e em especial dos movimentos educacionais, o Ministério da Educação realizou consulta pública para recolher contribuições voltadasao aperfeiçoamento da legislação do ensino médio. À época, as mesmas orientações aprovadas na Conae 2024 predominaram as respostas da Consulta do MEC, levando o Ministério da Educação a encaminhar ao Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) nº 5.230/2023.
O PL 5.230/2023foi sistematizado por um grupo de trabalho que envolveu a participação do Fórum Nacional de Educação, do Conselho Nacional de Educação, do Fórum dos Conselhos Estaduais de Educação, da União dos Estudantes Secundarista do Brasil e do Conselho Nacional de Secretários Estaduais/Distrital de Educação, sob a coordenaçãodo Ministério da Educação. Trata-se de um projeto elaborado com ampla participação e que atendeu a diferentes espectros políticos, pautando-se nos seguintes eixos:
- elevação da carga horária da formação geral básica para 2.400 horas;
- integração da formação geral básica com a parte diversificada do currículo, prevendo a oferta interdisciplinar e presencial de ao menos dois percursos por unidade escolar com ampla abrangência de conteúdos;
- garantia da oferta obrigatória da língua espanhola no ensino médio;
- prioridade da oferta integrada de educação técnica profissional ao ensino médio;
- exclusão do notório saber do art. 61 da LDB, como forma de qualificar e valorizar a docência.
No final de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou regime de urgência ao PL 5.230/2023, remetendo a votação da matéria diretamente ao plenário da Casa, sem passar pelas comissões inerentes ao tema. E o que está para ser votado, possivelmente a partir desta semana, é o segundo substitutivo do dep. Mendonça Filho (União/PE), ex-ministro da Educação no governo de Michel Temer e um dos formuladores da Lei nº 13.415/2017, que retrocede na maioria das propostas do projeto do Executivo.
Dadas as condições objetivas da tramitação do PL 5.230/2023, é preciso ampla mobilização social em defesa das pautas trazidas ao debate do ensino médio pelos estudantes, profissionais da educação, pais, mães e responsáveis pelos estudantes e de Conselheiros/as da Educação, que integram nos limites da correlação democrática de forças a proposta original e coletivaque embasou o PL 5.230/2023.
É dever do Parlamentar votar em favor das demandas da maioria do povo. E para que a juventude e os/as estudantes da escola pública tenham acesso a currículos qualificados e com chances de ingressar nas universidades públicas, é preciso rever profundamente a Lei nº 13.415, nos termos do projeto enviado pelo Governo Lula ao Congresso Nacional.
(*) Heleno Araújo é presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE e professor das redes públicas de educação básica do Estado de Pernambuco e do Município de Paulista – PE.