Com a saúde mental em pauta, o movimento VAT propõe uma reorganização das jornadas de trabalho, gerando um caminho para um turismo mais sustentável
O movimento VAT, Vida Além do Trabalho, recebeu a atenção dos noticiários nas últimas semanas. Idealizado por Rick Azevedo, ex-balconista de farmácia eleito vereador no Rio de Janeiro nas eleições municipais de 2024, o movimento visa ao fim da escala de trabalho 6×1, alegando que o modelo de jornada é exaustivo e prejudica a qualidade de vida de quem atua em setores que adotam o modelo. No mercado de trabalho relacionado ao turismo, o modelo de escala 6×1 é amplamente adotado. Trabalhar aos domingos e feriados é comum nesse setor, visto que a maior parte do movimento de hotéis, parques temáticos, restaurantes e destinos turísticos em geral se dá justamente nos períodos de recesso.
“O turismo é um fenômeno relativo ao tempo livre e de lazer, os empregos nessa área envolvem o trabalho nos recessos. Além disso, algumas empresas turísticas funcionam 24 horas. Equipes de trabalhadores revezam em turnos, fazendo com que os empregos em turismo funcionem em escalas de trabalho diferenciadas e, comumente, adotem o modelo 6×1”, amplia Renan Augusto Moraes Conceição, doutorando em Turismo pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP. “Essa forma de organizar o trabalho, muitas vezes, causa fadiga, esgotamento físico e mental e dificuldade do trabalhador conciliar suas obrigações profissionais com outras atividades”, afirma. Uma pesquisa realizada pela Creditas Benefícios, em parceria com a Opinion Box, revelou que 86% dos trabalhadores brasileiros já enfrentaram algum problema de saúde mental associado ao ambiente de trabalho.
“Não raramente, a pessoa que segue a escala 6×1 acaba trabalhando por mais do que seis dias seguidos. A sobrecarga da rotina afeta diretamente a qualidade do serviço prestado pelos trabalhadores, o que acaba gerando insatisfação dos empregadores e adoecimento mental dos funcionários”, complementa o especialista.
Mais tempo livre
O movimento VAT surgiu da demanda dos trabalhadores em escala 6×1, reivindicando melhores condições de trabalho e mais tempo livre. “O movimento ganhou apoio de muitos na mesma situação em escala 6×1, motivando a apresentação de um projeto de emenda à Constituição alterando o regime de trabalho no Brasil, com diminuição da carga horária semanal e buscando a adoção de outras formas de organização da força de trabalho”, afirma Conceição.
Ao redor do mundo, a discussão da redução da jornada de trabalho também ganhou força nos últimos tempos. Portugal iniciou em junho passado um projeto para testar a semana de trabalho de quatro dias. Cerca de 40 empresas participam do experimento. No Reino Unido, empresas britânicas também testam a semana profissional de quatro dias. Em alguns casos, as companhias reduziram a jornada semanal de 40 para 32 horas, solicitando a distribuição das horas ao longo de cinco dias da semana. “As iniciativas por diminuição da carga horária dos trabalhadores não se resumem ao movimento de enfrentamento à escala 6×1. Projetos piloto conduzidos em vários países estão testando uma jornada de trabalho de 4×3. Essas iniciativas vêm medindo o rendimento dos trabalhadores em critérios como produtividade, cumprimento de prazos, taxa de adoecimento físico e mental e índice de rotatividade laboral.”
Também já existem testes sendo desenvolvidos no Brasil: 21 empresas estão operando em escala 4×3 e reunindo dados para a avaliação do rendimento dos funcionários nesse modelo de jornada. A iniciativa é fruto de uma parceria entre a ONG 4 Day Week e a brasileira Reconnect Happiness at Work. “Os resultados têm sido positivos: em média, a produtividade aumentou em 15%, com uma redução de 69% dos casos de burnout dos trabalhadores. No Brasil, esse projeto obteve resultados similares, com melhorias de 61% na execução de projetos, 44% no cumprimento de prazos, 65% na redução de estresse e exaustão entre os participantes”, detalha Conceição.
“Para os trabalhadores do turismo, uma mudança no regime de trabalho poderia afetar positivamente a qualidade do atendimento prestado, principalmente em um setor tão ligado à hospitalidade. O bem receber é central para os serviços turísticos, que ofertam um produto baseado em aspectos subjetivos. Um trabalhador descansado tende a dar vazão às suas habilidades hospitaleiras, excedendo as expectativas de clientes e turistas. Com isso, as empresas turísticas poderiam começar a adotar novos regimes de trabalho, saindo na vanguarda das mudanças sociais que nosso país precisa e aguarda”, finaliza.
*Sob supervisão de Cinderela Caldeira e Paulo Capuzzo
**Sob supervisão de Moisés Dorado