Não foi só a querida Glória Maria. Na quinta-feira também foi notícia a morte, num hospital de Brasília, de um homem de 58 anos, identificado apenas como procedente de Botucatu, São Paulo, que na terça-feira chegara ao canteiro central da Esplanada dos Ministérios, diante (mas talvez distante) da Praça dos Três Poderes e de seus edifícios, o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, e “ateou fogo ao próprio corpo em protesto contra o Supremo”.
Foi possível resgatá-lo a tempo e levá-lo para o Hospital Regional da Asa Norte, mas não houve como salvar sua vida. Segundo reportagem do site Metrópoles, o homem chegou a gritar “Morte ao Xandão!”, durante o protesto, em referência ao ministro Alexandre de Moraes.
Entre os pertences encontrados com o homem, havia papéis com fotos “de pessoas como Johann Georg Elser, conhecido por ter tentado matar o ditador nazista Adolf Hitler; do ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela; e de Claus von Stauffenberg, conhecido por comandar a Operação Valquíria, cujo objetivo era assassinar Hitler”.
Papéis que contradiziam o ânimo do suicida, já que evidentemente essa vítima do bolsonarismo era bolsonarista, tanto que se imolava para pedir a morte de Alexandre de Moraes, hoje a pessoa mais odiada por Bolsonaro e seu entorno.
Nos violentos ataques de 8 de janeiro, um momento de grande alívio foi aquele em que constatou não ter morrido ninguém, em contraste com os sete mortos da invasão do Capitólio nos Estados Unidos por partidários de Donald Trump em janeiro de 2021.
Agora, porém, essa tentativa de golpe tem seu cadáver, como a Lava Jato teve o seu, com o suicídio do Reitor Luís Carlos Cancellier em 2017. Pobre alma atormentada e confundida pelo discurso do ódio, talvez participante do acampamento fronteiro ao QG do Exército em Brasília e quem sabe dos ataques de 8 de janeiro, o homem de Botucatu morreu no mesmo dia da farsa do Senador Marcos Do Val para grampear o Ministro Alexandre de Moraes, em combinação com Daniel Silveira e em presença do próprio Bolsonaro. (Grampear, aliás, foi um recurso muito utilizado na Lava Jato, como antes na ditadura.)
Dessa farsa e das sucessivas e contraditórias versões do Senador do Val, algumas coisas já ficaram indiscutíveis. Por exemplo, a reunião com Daniel Silveira e Bolsonaro e o fato de que este ouviu a proposta golpista sem mostrar qualquer oposição a ela. E a prisão de Daniel Silveira e apreensão de seu celular, na própria quinta-feira, podem revelar ainda mais coisa e mais nomes – de pessoas e organizações.
Os próximos capítulos dessa novela devem incluir o depoimento de Daniel Silveira e a perícia que tentará identificar as impressões digitais encontradas na minuta apreendida na casa do ex-Ministro da Justiça Anderson Torres.
Essa minuta pode ter apenas as digitais de quem a imprimiu, de quem a entregou e de quem a arquivou. Se tiver apenas essas, elas já abrirão caminho para descobrir quem a redigiu. Se tiver outras, de quem também a manuseou, abrirá caminho para muito mais.
E no depoimento que terá de prestar, Daniel Silveira terá também de escolher entre proteger a si mesmo e proteger Bolsonaro. E de esclarecer se foi por iniciativa própria ou a pedido de Bolsonaro que convidou Marcos Do Val para a conversa golpista em presença de Bolsonaro.
(*) Por José Augusto Ribeiro – jornalista e escritor. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.
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