Nacionalismo e trabalhismo: análise da fundação e refundação do PTB e sua relevância na história política e social do Brasil.
As ideologias globalizantes, universais são recentes na história do homem. Confúcio escreveu e pregou para os chineses, os gregos focavam em suas cidades-estados, os judeus criaram sua religião para terem identidade própria, foi com o cristianismo que o mundo passou a ter uma ideologia abrangente, para todos os povos e nações. E a primeira vítima foi o Império Romano, que não suportou o peso de gerir a religião e naufragou, estilhaçou-se a partir da separação Ocidente-Oriente.
Passaram-se séculos até que, para justificar a conquista, a colonização e a exploração para além das fronteiras nacionais de riquezas dos outros, a globalização voltou a ser imposta pelos poderes então dominantes.
A ideologia própria para uma cultura, para um país, é o que se esperaria da civilização humana. Poder-se-ia dizer que para cada cultura, existiria uma ideologia, embora todas sejam nacionais, mas diferentes entre si. E o Brasil, sob diversos aspectos, é único, nas riquezas naturais, na miscigenação de povos, no objetivo e modos de vida.
Por conseguinte, o nacionalismo brasileiro não foi um acaso, mas a resultante das migrações, das interações entre nativos e estrangeiros, das soluções que melhor aproveitassem os recursos, que a formação do Estadista, homem de extraordinário conhecimento, muita leitura e reflexões, observador crítico das diversidades nacionais, Getúlio Vargas colocasse como pilar do partido que fundou.
O outro pilar foi o trabalho. Recordemos que mediavam pouco mais de meio século que o Brasil tirara a proteção legal da escravidão, 13 de maio de 1888, e a fundação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), 15 de maio de 1945.
O mundo, na criação do PTB, se digladiava entre ideologias políticas que se propunham dominadoras: marxismo, fascista, democracia, nazismo, entre outras. No entanto, eram as religiões que serviam para conquistar as massas populares e imprimir seus credos e filiações econômicas.
Getúlio e seus companheiros não caíram nas armadilhas ideológicas. Se algum pensamento político teve inspiração no exterior, este já chegou ao PTB nacionalizado pelo governador do Rio Grande do Sul (presidente da Província por quase toda década de 1890), Júlio Prates de Castilhos, o positivismo castilhista. Porém o catolicismo ainda dominava e Vargas, mesmo sem credo religioso, preferiu não abrir luta contra o domínio católico no Brasil.
“Os intelectuais esquerdistas e os comunistas não se consolam de terem perdido para Getúlio a admiração e o apoio da classe operária. O estamento gerencial das multinacionais – setor predominante da classe dominante brasileira – o via como o próprio demônio” (Darcy Ribeiro, “Nossa Herança Política”, em Carta nº 11, Senado Federal, 1994).
Vamos discorrer sobre os dois pilares: nacionalismo e trabalhismo, que construíram o PTB.
Darcy Ribeiro, na Nota à primeira edição de O Brasil como Problema (1995) escreve: “Os brasileiros vêm sendo tão massacrados pela indoutrinação direitista, difundida por toda mídia, que já não há onde alguém possa informar-se realmente como viemos a ser o que somos, sobre como se implantou a crise em que estamos afundados e sobre as alternativas políticas que se abrem para nós. Os velhos discursos de esquerda ficaram obsoletos. A velha oligarquia, montada na força do dinheiro, consolidou sua hegemonia através das eleições, nos vencendo uma vez mais. Por tudo isso, nada é mais necessário hoje que um novo discurso de esquerda. Quer dizer, socialmente responsável diante do povo sofredor e suficientemente ambicioso para definir desígnios mais altos para o Brasil”.
A questão nacional
Nada mais relevante e prioritário do que a questão nacional que estabelece o nosso Estado Necessário. Recursos naturais, clima, população, fontes primárias de energia, idiomas nacionais, tudo isso constituirá a especificidade nacional definidora do Estado. Daí a necessidade de se estudar nossas condições naturais, geográficas, físicas e culturais para discutir a Questão Nacional e propor o Estado Brasileiro.
Este estudo vem sendo desenvolvido por brasileiros e estrangeiros desde a chegada dos portugueses ao Brasil, e dele temos os relatos, uns mais outros menos objetivos, uns mais francos outros tendentes a proteger e justificar interesses colonizadores, como se era de esperar. E o PTB já ganha com as conclusões da primeira metade do século 20 de seu fundador e dos acréscimos devidos, entre outros estudiosos, ao genial antropólogo e político Darcy Ribeiro.
Portanto, tratando da refundação do Partido, discorreremos sobre estes últimos 70 anos de muitas inovações científicas, tecnológicas, políticas e culturais.
Se temos condições naturais diferentes, neste verdadeiro continente que é o Brasil, também temos a unidade do idioma e do sentimento de pertencimento à Pátria brasileira.
Somos, no entanto, insidiosamente invadidos por astuciosas criações estrangeiras, dominadoras, que se diferem daquelas vindas com as caravelas em 1500.
O catolicismo foi o primeiro condicionante colonizador do Brasil desde o fundamento do nosso primeiro Estado, o Governo-Geral, com Tomé de Sousa, em 29 de março de 1549, até a posse de Vargas no governo provisório da Revolução de 1930, 3 de novembro de 1930.
Porém, já no início do século 20 (1910-1915) se formava, nos Estados Unidos da América (EUA), pelas mãos de empresários, “a aversão ao socialismo e a resistência à liberalização dos costumes”, como assinala Rodrigo de Sá Netto, no profundo estudo do “imperialismo religioso e dominação de classe no Brasil”, trabalho de mais de cinco anos de pesquisas, consolidado na publicação de O Partido da Fé Capitalista (Da Vinci Livros, RJ, 2024).
Os evangélicos, em especial as agremiações pentecostais, com apoio dos EUA, começaram a tomar a região norte do Brasil desde 1920, com a Igreja do Evangelho Quadrangular.
E a influência estadunidense lhes colocou as tecnologias mais recentes como divulgadoras: o rádio e a televisão. E, assim como nos EUA, os fundamentalistas assumiram a “defesa da família”.
Rodrigo de Sá Netto, na obra citada, esclarece: “Os pastores brasileiros atacam o direito ao aborto, o sexo fora do casamento, a pornografia, as drogas, a secularização do Estado, o ensino do evolucionismo e os homossexuais. Abraçam, enfim, a ‘pauta moral’ da direita cristã dos EUA, também prestando apoio a programas economicamente liberais, como executado sobretudo pelos governos de Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso e Jair Bolsonaro”.
Sá Netto (obra citada) enxerga “o pentecostalismo das grandes igrejas atuais (século 21) como um aparato de poder conectado à lógica do capital em sua dimensão imperialista”, apesar das origens populares do movimento pentecostal. A habilidade de remediar pela fé os problemas do corpo e da alma foi, desde o final dos anos 1970, a característica pentecostal mais atrativa aos socialmente desassistidos.
Apostar na ignorância das multidões não foi projeto específico da reforma protestante. No século 13 surge a Inquisição Católica, no final do século 15 chega a Castela e Leão e Dom Manuel a traz para Portugal. Alexandre Herculano (1810-1877), mais historiador do que romancista, escreveu, em 1864, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, onde se lê no Prólogo: “Moral e economicamente, os crimes que a reação está perpetrando e o sangue que tem vertido virão a ser bem moderado preço de resultado imenso, a aniquilação dessa força bruta, encarregada nominalmente de cumprir um dever que é, que não pode deixar de ser comum a todos os cidadãos, a defesa da terra pátria”. E, adiante escreve: “Ao lado dos vivas da soldadesca embriagada, em volta dos quartéis e acampamentos, onde está hoje reconcentrada quase toda a ação política das sociedades, ouvem-se, também, os vivas de certa parte das populações. Estes aplausos não partem de um grupo único”.
E, a partir daí, Herculano nos ministra a lição.
“Há aí o vulgo que faz o que sempre fez; que saúda o vencedor, sem perguntar donde veio, nem para onde vai; que vocifera injúrias junto ao patíbulo do que morre mártir por ele, ou vitoreia a tirania, quando passa cercada de pompas que o deslumbram. Há aí os velhos interesses mortalmente feridos, que, não podendo defender-se como legítimos, buscavam até agora santificar-se pela poesia do passado, indo esconder as rugas asquerosas na luz frouxa da abside da antiga catedral, mas que hoje se proclamam em nome do direito com gritos de furor e de ameaças. Há aí a hipocrisia, que, depois de minar debaixo da terra durante anos, surge enfim à luz do Sol e, balouçando o turíbulo, incensa todos os que abusam da força, declarando-os salvadores da religião, como se a religião precisasse de ser salva ou coubesse no poder humano destruí-la”. “O vulgacho espera de cima a realização dos seus ódios contra a classe média, a satisfação à sua inveja; os hipócritas querem aproveitar o ensejo de granjear as multidões para o fanatismo”.
O trabalho
Se a Nacionalidade constitui o Capítulo III da Constituição Brasileira de 1988, o mesmo não ocorre com o Trabalho que se imiscui entre os Direitos Sociais (Capítulo II). Em 1941, então anistiado, após se insurgir contra Vargas em 1932, o futuro general Severino Sombra de Albuquerque organiza pelos temas tratados, o que denomina “um fato nacional”, “o que havia de essencial no pensamento político e nas diretivas de administração do presidente Vargas”. Na expressão do “Prólogo”, este é um “livro de combate, de pregação, de vida” (Severino Sombra, As Diretrizes da Nova Política do Brasil, Livraria José Olympio Editora, RJ, 1942).
Abre, sob o título TRABALHO, “A Plataforma da Aliança Liberal” lida em 2 de janeiro de 1930: “O pouco que possuímos, em matéria de legislação social, não é aplicado ou só o é em parte mínima, esporadicamente, apesar dos compromissos que assumimos, a respeito, como signatários do Tratado de Versailles, e das responsabilidades que nos advêm da nossa posição de membros do ‘Bureau Internacional do Trabalho’, cujas convenções e conclusões não observamos”. “Se o nosso protecionismo favorece os industriais, em proveito da fortuna privada, corre-nos, também, o dever de acudir o proletário com medidas que lhe assegurem relativo conforto e estabilidade e o amparem nas doenças, como na velhice” (obra citada de Severino Sombra).
O Brasil foi o maior território escravista do Ocidente, o último a extinguir o tráfico negreiro, e o último a abolir a escravidão legal, após 388 anos. O resultado é um legado de desigualdade social, exclusão e violência.
“Tudo o que nós fomos no passado, o que nós somos hoje e o que nós seremos no futuro só pode ser explicado pela escravidão. Considero esse o assunto mais definidor da história do Brasil”, afirmou Laurentino Gomes, na 73ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em julho de 2021.
Por que a democracia, a liberdade, a ética esbarram de forma excludente quando se trata do trabalho? Quem são os grandes prejudicados? O Censo de 2022 aponta que população brasileira, diferenciada por cor ou raça, é a seguinte: 45,3% parda, 43,5% branca, 10,2% preta, 0,8% indígena, 0,4% amarela.
Porém o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, com dados de 2023, mostra que na composição da população carcerária, por cor da pele, a negra é predominante, seguida da cor parda; da branca, sendo a amarela e a indígena inexpressivas estatisticamente.
A questão do trabalho se mistura com a questão da pele, da etnia, facilitando a exclusão dos negros e pardos dos direitos sociais e até mesmos dos direitos humanos.
Fica mais óbvia a ausência da educação universal, integral e gratuita para os brasileiros e, mesmo sem evidenciar, as melhorias nas condições do trabalho já estão na formação dos golpes que já abundam em nossa história.
Parece incrível, mas a nacionalidade e o trabalho que deveria sustentar e desenvolver os brasileiros, são os maiores inimigos da democracia, da liberdade, do progresso nesta terra escravocrata e de arrogantes imbecis, que nem de riqueza gozam a vida, mas da corrupção e de “emendas” e “orçamentos secretos”.
A refundação do PTB com as marcas deixadas pelo Estadista será um verdadeiro grito do Ipiranga para maioria absoluta do povo brasileiro.
(*) Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.
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