Todos ficamos estarrecidos com declarações em relação à pandemia, às mortes e ao descaso pela vida. Alguns comentários e opiniões demonstram insensibilidade com a humanidade, tratada como se não tivesse valor. O “e daí” e o “tudo bem que a natureza criou…”, nos leva a consequências mais profundas como o individualismo arraigado nas culturas atuais e o secularismo, fruto de um relativismo religioso em que se acredita no que convém, ou mesmo, em preocupações efêmeras, colocando como prioridades a economia e a política, que sobrepõe os valores essenciais da vida humana.
Luc Ferry, em seu livro “Revolução do Amor”, ao analisar as características do tempo presente, nos alerta que, os únicos seres pelos quais agora estaríamos dispostos a arriscar nossa existência, são os seres humanos, não os ideais políticos e econômicos, junto com os processos de globalização. Declarações como estas não levam em conta o que está por trás da vida humana, a sua existência, história e sonhos, sepultados juntos com o “e daí”, ou “tudo bem”, sem o devido valor de suas identidades e seus rostos sofridos lutando com um inimigo desconhecido.
Como cristãos, não pensamos na vida somente com um valor humano, mas também divino, somos criados a imagem e semelhança de Deus e dotados de inteligência e liberdade que nos diferencia das outras criaturas. No evangelho de João, 10,10, Jesus se intitula “Eu sou a vida” que estava com Deus e que agora está conosco e que oferece como plenitude de seu amor, de um modo total, definitiva e plena em sua autonomia, a verdadeira liberdade nos dada por Deus. A Igreja também em sua história se pronunciou muitas vezes sobre esta dignidade da vida humana, nos documentos papais e da congregação para a doutrina da fé, afirmando no documento “Dignitas Personae” que todo ser humano, desde a concepção até a morte natural, deve reconhecer a dignidade da pessoa, sua linhagem e não somente tratá-la com descaso, depreciação, já que a vida está muito acima dessas palavras vazias e sem sentido.
Mas o que nos enche de esperança são figuras como o Papa Francisco, que em todos os seus pronunciamentos não deixa de agradecer aos profissionais da saúde, médicos e enfermeiros, que correm riscos e são poucos valorizados, que lutam e valorizam esta vida muitas vezes descartada por quem tem a obrigação de fazer alguma coisa em prol das pessoas fragilizadas, vulneráveis, que lutam para sobreviver neste mundo de injustiças. Por isto, não é por palavras como ‘e daí’ e ‘tudo bem’ que deixaremos de valorizar o que nos foi dado como fruto do amor.
Gilberto Aurélio Bordini é doutor em Teologia, padre da Arquidiocese de Curitiba (PR) e professor de Teologia Católica no Uninter