Saber fazer a coisa certa não deveria ser tão difícil assim.
Para onde devo direcionar minha atenção? Onde meus olhos devem focar?
Lá onde o algoritmo me fisga? Onde está o perigo hoje? Talvez essa situação envolvendo as big techs toda sirva para evidenciar o quanto nosso discernimento tem sido afetado. Como agora estão escrachados seus interesses, sabemos o quanto somos massa de manobra.
Que tal usar o que temos entre as orelhas? Não comprar da Amazon? Sair do tal X? Diminuir o domínio da Meta nas nossas vidas? Saber usar as ferramentas nesse universo digital é algo imperativo. Mas e o mundo em nossa volta, a sujeira, o resíduo, a casa, as plantas, você está percebendo as outras coisas, as palpáveis, que estão fora das telas e que também são perigosas?
Tenho visto tanta gente já apavorada – eu inclusive já estive nessa situação – do que está por vir com esse novo mandato do presidente norte-americano, que entendo que a nossa chance de seguir em frente enquanto habitantes de um país colonizado e latino-americano é procurar viver a intensidade do significado em sermos brasileiros. Celebrar as coisas boas da vida, viver o momento presente, observar a natureza que nos cerca, sentir as manifestações artísticas sempre que possível e, sacar, que a governança nas três esferas de governo tem tido falhas.
E, principalmente, seguir tentando fazer o que compete para estarmos em paz com a nossa consciência. Eis um exemplo claro do que isso significa. Esses dias, uma amiga estava muito incomodada porque queria fazer a coisa certa: dar uma destinação adequada a um termômetro quebrado, mas não encontrava informações sobre como proceder.
Ela procurou informações no Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) de Porto Alegre, no 156 (que forneceu um 0800 de uma empresa de descartes do interior de São Paulo que não tinha relação alguma com Porto Alegre) e ligou até para o Centro de Informações Toxicológicas (CIT). Mesmo com pessoas bem intencionadas do outro lado da linha, não obtinha a orientação de que necessitava, já que nenhuma dispunha de informações sobre o assunto. Todos desconheciam o que fazer nesses casos. Então, a Paula Medeiros, do Centro de Educação Ambiental (CEA), representante dos catadores, mandou a seguinte orientação, diante da minha indagação em um grupo de WhatsApp do qual fazemos parte:
O mercúrio de termômetros deve ser descartado em pontos de coleta de resíduos perigosos, pois é um metal altamente tóxico.
Para descartar um termômetro com mercúrio, deve seguir os seguintes passos:
Interromper o uso do termômetro;
Arejar o local;
Recolher os pedaços de vidro em um recipiente resistente;
Recolher o mercúrio com papel cartão ou papelão;
Colocar o mercúrio em um recipiente resistente à quebra;
Cobrir o mercúrio com água para reduzir a vaporização;
Selar o recipiente e identificá-lo como resíduo de mercúrio;
Entregar o recipiente a um ponto de coleta de resíduos perigosos.
Nossa, onde existem pontos de coleta de resíduos perigosos? Se precisa todo esse cuidado, por que a Prefeitura não divulga isso? Por que alguém estaria preocupado com isso, se é tão mais fácil simplesmente ignorar e destinar de qualquer jeito, já que não existe fiscalização? Minha amiga acabou encontrando uma solução porque outra amiga tinha contato com uma empresa que faz a destinação final para resíduos perigosos. Pois a destinação para esse tipo de resíduo é paga e o serviço público não oferece de graça.
Esse enredo do termômetro quebrado reforçou algo de que já venho me dando conta: precisamos fazer o que nossa consciência manda. Pois, ao avançarmos algumas casinhas no tabuleiro de níveis de consciência, é bem difícil voltar, fingir que não é com a gente.
Ter noção do significado das coisas requer saber pedir ajuda, conseguir informações de fontes confiáveis. Não adianta só ficar reclamando ou postando indignações em redes sociais.
E aí, nesse mar de ciladas e enganações, mais uma vez, precisamos estar atentos para saber discernir o que é melhor ou menos pior, para praticar ações significativas de comprometimento com a qualidade de vida, com a sustentabilidade e até mesmo com a nossa sobrevivência!
Creio que, diante desse cenário do segundo mandato de um retrógrado e de estar cercado de tanta gente que acredita no que ele e seus amigos falam, precisamos fazer como minha amiga: seguir perguntando, questionando o que é o correto a fazer, já que não existe planeta B.
Todos são e serão prejudicados por atos inconsequentes de gente que não se preocupa com a coletividade. E isso pode ser constatado desde não destinar um resíduo tóxico até furar mais poços de petróleo. Se no primeiro caso, a contaminação é local, no outro, é agravar um problema global, pois o que resultará em mais gases de efeito estufa na atmosfera, consequentemente: mais eventos extremos climáticos, mais problemas de saúde pública, etc.
Saber o que olhar, o que requer cuidado no que nos cerca, é uma emergência desses tempos líquidos (recorrendo a Baumann). Ter uma percepção de risco aguçada é algo fundamental para esse momento da história em que a tecnologia é uma extensão do nosso corpo.
(*) Sílvia Marcuzzo é Jornalista e artivista.
*As opiniões dos autores de artigos não refletem, necessariamente, o pensamento do Jornal Brasil Popular, sendo de total responsabilidade do próprio autor as informações, os juízos de valor e os conceitos descritos no texto.