Enquanto as obras viárias no trânsito de Brasília seguem de vento em popa recebendo vultosas quantidades de recursos do GDF, a situação na saúde pública é dramática. Não por falta de dinheiro. Segundo o site da Secretaria de Saúde, o orçamento da pasta em 2024 foi de R$ 13,3 bilhões.
Para este ano, o repasse do Fundo Constitucional (FCO) na Saúde bancado pelo governo federal será de R$ 8,135 bilhões. Houve um aumento no FCO de 15,79% em relação ao ano anterior. Para o Iges-DF, em 2025, está prevista a destinação de R$ 933,2 milhões para contratos terceirizados.
Mesmo com o incremento no orçamento da Saúde neste ano, ainda sim o Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB) foi interditado por falta de manutenção. Também faltam UTIs para recém-nascidos, as ambulâncias estão sucateadas, médicos de empresa contratada pelo Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do DF (Iges) sem receber salários e número insuficiente de profissionais para atender a demanda crescente nos hospitais e Unidades Básicas de Saúde (UBS) no DF.
A fila de espera para cirurgias na rede pública quintuplicou, o que provocou denúncia no Tribunal de Contas do DF. O TC-DF também foi acionado por causa das UTIs neonatais, problema que ganhou repercussão nacional, assim como a contratação irregular de médicos temporários.
Os pacientes diagnosticados com câncer em Brasília chegam a esperar – aqueles que conseguem – quase dois anos para fazer radioterapia. Para piorar, o único equipamento existente no Hospital de Base está quebrado. A Lei federal 12.732/2012 determina que o paciente diagnosticado com câncer deve ser atendido em até 60 dias. Segundo o Mapa Social da Saúde do Ministério Público do DF, 3.683 pessoas esperam, entre 2019 e 2024, por consultas oncológicas. Esse é o cenário dramático da Saúde no DF.
O governo Ibaneis sabe que a saúde é a área onde ele tem os piores índices de avaliação da população de Brasília. Se quiser continuar ampliando a terceirização na pasta sem piorar ainda mais o atendimento, o GDF precisa superar muitos desafios, sendo um deles a resistência dos profissionais efetivos da Saúde.
CPI na Saúde
O deputado distrital Gabriel Magno (PT), que se movimenta junto com a oposição na Câmara Legislativa para abrir a CPI da Saúde, chama a atenção para o modelo de gestão do governo Ibaneis que tem priorizado a terceirização dos serviços.
“O caos na saúde do DF é reflexo de uma gestão que ignora as necessidades da população, enquanto favorece negócios privados com a saúde pública. A ampliação do Iges-DF e a crescente terceirização só têm agravado a crise, com a falta de profissionais e materiais essenciais”, critica o parlamentar.
O deputado destaca ainda que o atual secretário de Saúde, Juracy Cavalcante, enquanto presidente do Iges-DF, assumiu cargos em empresas que têm relações com prestadoras de serviços médicos no DF, configurando assim conflito de interesses. “O Iges-DF tem ganhado uma fatia cada vez maior do orçamento do DF, enquanto acumula escândalos de corrupção e trocas constantes de diretorias”, alerta.
O presidente do Sindicato dos Enfermeiros do DF, Jorge Henrique, também critica o que considera imoral o atual secretário de Saúde assumir funções de planejar, ordenar, fiscalizar e controlar as ações do próprio serviço que, a bem pouco tempo, gerenciava quando era um prestador de serviços.
Para Henrique, a saúde precisa é de mais investimentos para superar a atual crise. “Só assim é possível frear o processo de terceirização da saúde”, defende. Segundo ele, com mais recursos e uma gestão eficiente, é possível nomear mais servidores, melhorar a infraestrutura do sistema de saúde e construir novas unidades. “Dessa forma é possível solucionar os problemas de saúde da população”, destaca.
O questionamento de Henrique sobre mais investimentos é pertinente, tendo em vista que a destinação do GDF para a Saúde não chega a um terço de todo o recurso do governo federal repassado no Fundo Constitucional.
Votada e aprovada na Câmara Legislativa do DF, a Lei Orçamentária Anual (LOA), de iniciativa do GDF, destinará 45,84% do Fundo Constitucional para a Segurança Pública, que teve um incremento no orçamento da pasta em R$ 11,495 bilhões. A fatia da Saúde no FC representou 32,44%, com R$ 8,135 bi. A Educação ficará com 21,72% do Fundo e terá R$ 5,447 bi.
HRSM
O Hospital Regional de Santa Maria (HRSM), que é referência em gestação de alto risco e no atendimento a gestantes de baixa e média complexidade do DF e entorno, está operando com superlotação no centro obstétrico e nos cuidados aos recém-nascidos. Resultado, profissionais de saúde sobrecarregados e atendimentos precários aos pacientes.
A Resolução 2.079/2014 do Conselho Federal de Medicina (CFM) recomenda afim de dimensionamento das equipes que cada médico assista, por hora, no máximo três pacientes sem potencial de gravidade. Ou seja, num plantão de 12 horas, a recomendação é que um médico assista até 36 pacientes.
No entanto, um profissional de saúde que trabalha no HRSM e conversou com o jornal Brasil Popular e prefere não se identificar com receio de represálias contou que, com frequência, médicos chegam a assistir mais de 100 pacientes ao mesmo tempo em um único plantão no centro obstétrico. Também há médicos que chegam a trabalhar 18 horas por dia.
Já no caso dos profissionais de saúde que prestam cuidados aos pacientes, como enfermeiros e técnicos de enfermagem, a recomendação do Conselho Regional de Enfermagem (Coren-DF) é que cada um cuide de até cinco pacientes ao mesmo tempo. No entanto, há dias em que cada profissional chega a cuidar de mais de dez pessoas hospitalizadas em um único plantão.
Devido à superlotação, gestantes com ameaça de trabalho de parto prematuro, abortamento, com controle de pressão arterial, com glicemia, ou esperando cesariana aguardam, de forma improvisada, atendimento nos corredores do hospital.
Perguntado como é trabalhar num ambiente de trabalho superlotado, o profissional de saúde que prefere não se identificar disse que se sente impotente.
“Apesar do amor que tenho pela minha profissão, sinto como se estivesse enxugando gelo. É uma sensação de insegurança e a população não quer saber se o profissional de enfermagem está sobrecarregado. Eles querem ser atendidos e com razão. Mas com o número insuficiente de profissionais, o atendimento fica deficiente. Sinto-me em um campo de guerra”, disse.
“Precisamos de mudanças. Precisamos de melhores condições de trabalho, de mais profissionais para dividir a carga, de salários justos e, acima de tudo, de reconhecimento”, finaliza.
A presidenta do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP-DF), Thessa Guimarães, destaca os riscos a que estão submetidos os profissionais de saúde que atuam diariamente a cargas exaustivas de trabalho para atender uma parcela significativa da sociedade que precisa de atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS), porque não conseguem pagar por planos de saúde.
De acordo com Thessa, enfermeiras, técnicas de enfermagem, médicos, psicólogas e diversas categorias profissionais da saúde pública e privada estão adoecendo psíquica e fisicamente e acabam sendo afastadas de seus postos de trabalho e no limite, desenvolvem doenças fatais.
“A exposição contínua a riscos psicossociais pode desencadear depressão, estresse, esgotamento, problemas músculo-esqueléticos e doenças cardiovasculares. Ou seja, leva, gradativamente, à morte”, alerta.
Thessa observa que essas informações estão descritas em documento do Comitê de Diálogo Social para as Administrações Centrais da União Europeia: Guia Bem-estar, segurança e saúde ocupacional (OSH): abordar os riscos psicossociais laborais.
O Iges-DF dispõe de um programa chamado Acolher destinado a profissionais de Saúde do HRSM que estão com algum tipo de problema de saúde. No entanto, a quantidade de médicos é insuficiente. “Solicitei atendimento e estou na fila de espera há quase um ano”, disse o profissional de saúde do HRSM que prefere não se identificar.
O jornal Brasil Popular entrou em contato com a assessoria de imprensa do GDF em busca de esclarecimentos sobre o que o governo está fazendo para resolver os problemas descritos na reportagem, mas até o fechamento da matéria não tivemos retorno.