Pedido foi feito ao ministro Dias Toffoli, relator de uma ação que repousa na Corte desde 2014
Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) negou revisão da Lei da Anistia (Lei 6.683, de 1979), em 29 de abril de 2010, entidades e ativistas contestam a decisão. Na época, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pedia que a Corte anulasse o perdão dado a agentes do Estado acusados de graves violações de direitos humanos. Por 7 a 2, o pedido contido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153 foi considerado improcedente.
Dos 11 ministros, só três continuam no STF: Cármen Lúcia, o decano Gilmar Mendes e Dias Toffoli. O relator foi Eros Grau, cujo voto foi seguido por Cármen Lúcia, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso. Os únicos a defender uma revisão foram Ayres Britto e Ricardo Lewandowski, atual ministro da Justiça. Toffoli não participou do julgamento porque comandava a Advocacia-Geral da União (AGU) quando a ação foi ajuizada. Já Joaquim Barbosa estava de licença médica.
“Notável atenção”
No mês passado, o mesmo Toffoli recebeu representantes do Instituto Vladimir Herzog para tratar da ADPF 320, sobre esse tema. Ele é relator da ação, que foi protocolada pelo Psol há quase 10 anos, em maio de 2014. Também participou da reunião o advogado Belisário dos Santos Jr., ex-secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo e um dos fundadores da Comissão Paulo Evaristo Arns de Direitos Humanos.
Os integrantes do IVH, incluindo seu diretor-executivo, Rogério Sottili, ex-secretário nacional de Direitos Humanos, saíram esperançosos da audiência. “O ministro, que recebeu com notável atenção todos os presentes, após ouvir todas as colocações, sinalizou considerar abrir os debates sobre a ADPF 320 ainda no segundo semestre deste ano.”
Reparação e punição
Dessa forma, o instituto e a família de Herzog – assassinado pela ditadura em 1975 – veem na audiência um marco histórico. “De respeito não somente a Vlado, mas a todos os familiares que tiveram seus entes queridos vitimados na luta pela garantia das liberdades democráticas e que lutam até hoje por reparação e punição de seus algozes.”
A Lei da Anistia tem sido um empecilho na punição de acusados de torturas e outros crimes. Muitos foram denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF), mas os pedidos costumam ser barrados no Judiciário sob o argumento da legislação aprovada em 1979, ainda no período da ditadura. Assim, “o IVH compreende que a vigente aplicação da Lei de Anistia assegura a impunidade dos crimes de lesa-humanidade cometidos por agentes da ditadura militar, e está ainda em absoluto desacordo com os tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário”.
Cultura de impunidade
Para Sottili, o gesto de Toffoli representa um passo na consolidação da democracia. E uma oportunidade para superar uma histórica “cultura de impunidade” no Brasil. “Não se trata somente de olharmos para o passado, mas sobretudo, de caminharmos de uma vez por todas para um futuro verdadeiramente digno e justo para todas e todos aqueles que lutaram pela democracia e para aqueles que lutam e continuarão lutando”, afirma.
Às vésperas do 60º aniversário do golpe, o IVH também manifesta preocupação com as perspectivas da democracia no país. “Recorrer à história para lembrarmos dos problemas estruturais do racismo, da violência de gênero, da desigualdade, da fome e do extermínio de populações indígenas, é tão legítimo quanto a necessidade de refletirmos sobre como a falta de ações de reparação e responsabilização no passado contribuíram para os atentados do dia 8 de janeiro de 2023.”