Pelo terceiro dia consecutivo, Tóquio registrou na quinta-feira um novo recorde consecutivo de casos de Covid – 3.865 pessoas contaminadas pelo vírus, contra 3.177 na véspera. Não foi apenas um recorde, mas um aumento substancial de mais de setecentos casos de um dia para o outro. E quase duzentos desses casos, precisamente 198, tinham relação direta com as Olimpíadas.
No entusiasmo, no delírio coletivo despertado pelos êxitos dos atletas brasileiros, fica difícil entre nós correlacionar com o ânimo da torcida e da comemoração o que esses números significam de ameaça, mesmo para quem está do lado oposto do planeta, sem perceber que a aviação contemporânea nos torna praticamente vizinhos da cidade de Tóquio.
Como as manchetes dos jornais e o ponto alto das transmissões jornalísticas da televisão pertencem todos aos jogos olímpicos, fica difícil que essas noticias desagradáveis sobre a Covid alcancem pelo menos parte substancial dos espectadores animados pela conquista de medalhas. E como será o retorno dos vencedores? Aglomeração nos aeroportos e nos desfiles comemorativos?
Nas últimas semanas temos acompanhado no Brasil recordes frequentes de vitórias da vacinação sobre a Covid. Ora é a média semanal de mortes e de novos casos que continua caindo, ora é o número de Estados em que a ocupação de leitos de UTI desce a menos de 70%. No conjunto, esses êxitos compensam o conjunto de notícias ameaçadoras que sempre acontecem, como por exemplo, neste momento, a onda de frio que cobre boa parte do país, começando pelos Estados do Sul.
A necessidade de preservar e ampliar esses índices (e de adotar cautelas para não sofrerem qualquer reversão) devia merecer campanhas maciças de esclarecimento que se colassem aos êxitos olímpicos para que não aconteça, depois da festa de Tóquio, um colapso ainda que parcial dos recordes contra a Covid.
Evidentemente isso é muito difícil, porque o festejo dos campeões vem sendo um derivativo, uma fuga, depois de mais de um ano de restrições, de proibições, de isolamento e de todos os desprazeres em geral. Antes o futebol e agora, cumulativamente, as Olimpíadas preenchem o vazio destes dias em que a maioria das pessoas se vê condenada a apenas sobreviver, como prisioneiras condenadas a uma sentença que não tem término previsto.
Daí decorre um fatalismo que expõe muitos a fugas insensatas e até suicidas. Ainda bem que as competições olímpicas acontecem às vezes sem público e outras vezes com público diminuto. Do contrário Tóquio já se teria transformado num epicentro que exportaria o vírus para todo lado.
Mas desde as vésperas dos jogos havia o caso de atletas que se descobriram contaminados e agora aparecem quase duzentos casos diretamente relacionados a eles. Ainda não há notícias e números sobre o potencial de contaminação desses quase duzentos e dos quase quatro mil casos registrados nos recordes de três dias seguidos, com um aumento substancial de mais de setecentos casos de um dia para outro.
Na sexta-feira, tivemos o alarma amplo, que não tinha nada a ver diretamente com as Olimpíadas e sim com um fantasma que cresce e se impõe, o fantasma de uma variante pior ainda que o coronavírus, variante ainda pouco conhecida, mas que já se converteu no maior desafio destes dias:
“Com variante Delta em 132 países, casos de Covid sobem 80% em um mês”
Entre esses 132 países estão certamente o Brasil e o Japão das Olimpíadas.
Na sexta-feira o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, voltou a alertar sobre a ameaça da variante Delta no mundo e afirmou que “ganhos duramente conquistados estão em perigo”.
No sábado, finalmente, Tóquio bateu o recorde anterior de mais de 3.800 casos de covid e chegou aos 4 mil em 24 horas.
(*) José Augusto Ribeiro – Jornalista e escritor. Publicou a trilogia A era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.