Com sua inesgotável capacidade de superar-se a si próprio, a cada dia e a cada acontecimento, Bolsonaro qualificou-se de novo, na semana passada, como um daqueles que não perdem a piada, mas estão dispostos a pagar qualquer preço para se fazer de engraçados.
O caso clássico desse tipo de exibicionismo, de overdose de narcisismo, é o do sujeito que não perde a piada constrangedora sobre o maior amigo, mesmo sabendo que vai perdê-lo. Bolsonaro nas os quilombolas, como se fossem gado; foi assim que se dirigiu à deputada Maria do Rosário, dizendo aos brados que não a estuprava porque ela “não merecia”, ou seja, não o atraía sexualmente. E foi assim que desdenhou da Covid, considerando-a uma gripezinha de nada quando ela já começava a acumular o mais de meio milhão de mortos que já fez no Brasil, aos quais se acrescentavam na semana passada mais quase mil por dia.
Em sua mais ambiciosa piada dos últimos dias – ambiciosa por sua pretensão de alcance quase continental – Bolsonaro deu ao afundamento da pista central de uma das grandes avenidas marginais de São Paulo o nome de transposição das águas do Tietê, tentando ridicularizar esse rio e ao mesmo tempo ridicularizar um dos maiores e mais bem sucedidos projetos do governo Lula, a transposição das águas do grande rio São Francisco.
Além do riso canalha de seu coro palaciano de apaniguados e do círculo de giz de seu cercadinho, o que poderia Bolsonaro ambicionar com essa comparação? Que a pista da marginal ficasse interrompida por tempo suficiente para prejudicar as pretensões eleitorais do governador João Dória? Se foi isso, Dória é que saiu ganhando contra Bolsonaro, porque num instante a grande cratera foi preenchida com concreto e a avenida reaberta ao tráfego. Se, cumulativamente, queria que sua piada fosse ouvida no Nordeste, Bolsonaro conquistou ainda mais votos para Lula, ao chamar atenção para um projeto deste que não vinha sendo lembrado neste início de campanha.
A piada, além disso, veio num momento que não era para risos, em que o país inteiro se assustava e indignava com o assassinato a pauladas do refugiado congolês Moïse no Rio e com as mortes e devastação em Franco da Rocha, na grande São Paulo.
O caso Moïse chegaria logo à primeira página do hoje mais importante jornal do mundo, o Guardian, de Londres, lido por mais de 8 milhões de pessoas no mundo inteiro em suas edições digitais. E chegaria com um título de fazer vergonha aos mais de 200 milhões de brasileiros, ao cotejar o caso com a morte do norte-americano negro que foi sufocado pelo joelho em seu pescoço de um policial branco.
— Um George Floyd a cada 23 minutos: fúria diante da morte brutal de um refugiado em praia do Rio.
O texto da reportagem, que certamente foi lido mais vezes fora do Brasil que no Brasil, era muito esclarecedor em alguns de seus parágrafos:
— Douglas Belchior, um dos líderes da Coalizão Negra por Direitos … disse: “A morte bárbara de negros é vergonhosamente comum no Brasil … Aqui nós temos um George Floyd a cada 23 minutos. Temos um Moïse a cada 23 minutos.”
— Jair Bolsonaro, o Presidente de extrema-direita do Brasil, proprietário de uma casa a poucos minutos da cena do crime, permaneceu em silêncio diante da morte de [Moïse] Kabagambe – embora achasse tempo para interferir na confusão sobre o Spotify e a desinformação sobre a Covid. “Fiquem firmes! Abraços do Brasil” tuitou Bolsonaro na quinta-feira a Joe Rogan, o controverso apresentador de um podcast.
— Mas o ex-Presidente esquerdista Luís Inácio Lula da Silva condenou o “covarde assassinato”. “Isso não é normal. Isso não é humano. É o resultado de um país que está sendo governado por um fascista” – disse Lula, culpando o governo radical de Bolsonaro pelo clima de violência.
Foi nesse cenário de luto, sofrimento e revolta que Bolsonaro cometeu mais uma das piadas que já construíram, independente de tudo mais que marca sua vida, uma das mais tristes biografias da história humana.
(*) José Augusto Ribeiro – Jornalista e escritor. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.
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