Que me perdoem as cidades e os locais feios. A beleza sempre encanta e belas paisagens são “tudo de bom”.
Nasci em São Bonifácio nos belos morros de Santa Catarina.
Aos 4 anos, fui dar em Cunha Porã, onde as paisagens que me encantavam eram as pequenas e bem cuidadas plantações dos colonos.
Aos 18, vim a Porto Alegre, de carona, num caminhão, podendo apreciar a passada do Rio Uruguai de balsa, as vastidões de ouro dos recém-colhidos trigais.
Ao chegar à entrada de Porto Alegre – meu destino era a Avenida Assis Brasil – fiquei com a visão obnubilada por concreto por todos os lados.
Ao pegar o ônibus para o Centro em busca de uma pensão vi pouco, pois o medo e o pavor eram imensos.
Na Praça XV com aquele ajuntamento de ônibus me deixou mais perdido ainda.
Bem, por onde acharei uma pensão?
Caminho, e vejo o relógio da Masson, marco aquele lugar como um ponto de referência.
Subo mais e dou na Rua Riachuelo. Caminho com minha malinha. Eis que vejo, ufa, uma placa: “Pensão La Maravilha”. É aqui que fico.
Tinha terminado meu ensino médio em Maravilha/SC o que me ligou os nomes.
Ali fiquei sem paisagem, pois eram prédios para todos os lados.
Alguém me falou do Morro Santa Tereza donde se poderia ver a cidade. E lá fui à noite até o atual Belvedere Rui Ramos.
Não tive mais medo; porque a época era seguro.
Anos depois levei uma visitante ali e não deu para mostrar a bela paisagem, pois sofremos uma tentativa de assalto na chegada.
Ah, o Guaíba, as luzes! Nunca vira tantas juntas. Era o brilho do Natal.
Mais de 50 anos me encantando com as nossas paisagens. Várias e bonitas se foram com a faina de botar abaixo por ser “velho”.
Conheci as pedras coloridas da Rua da Praia, como tudo o que o Thompson demoliu, como o Castelinho.
Sei que temos o direito à paisagem.
Como já disse Câmara Cascuda, em 1947: “morador mais pobre está pedindo também que a Cidade lhe dê uma vista, um ponto bonito, uma alegria visual, interrompendo a melancolia do labor diário, do trágico-cotidiano”.
Apreciando um ponto bonito aqui, outra alegria visual acolá, muita se foi por culpa de governantes e capitalistas gananciosos.
Eis que anos depois, muitos anos depois da “Pensão La Maravilha”, voltam a morar na Rua Riachuelo.
No 12º andar, com direito a ver o majestoso Teatro São Pedro de cima. Vejo quase tudo: o moderno prédio do Tribunal de Justiça não me deixa ver o Forte Apache, mas vejo a Catedral, o Palácio Piratini, o Farroupilha, ao longe diviso o CAFF, Centro Administrativo do Estado, o Guaíba e o Estádio do Inter. Olhando à direita vejo a Usina do Gasômetro, sua chaminé e as torres da Basílica das Dores. Indo aos fundos, da sala de jantar, diviso as ilhas e novamente o Guaíba e parte do velho Centro.
Não tem preço. Beleza não tem preço, não há dinheiro que compre uma paisagem. Mas o dinheiro pode destruí-la.
Este direito à minha paisagem ninguém me tasca, porque a gula da construção civil nada pode fazer em meu entorno, como quer fazer ali ao lado do Beira Rio, com alturas de 120 metros.
O pessoal do Morro Santa Tereza perderia sua paisagem.
Audiências e debates. E o projeto anda parado até que sintam força de impor sua vontade destruidora. E aí caminha novamente.
Que este dia nunca vá chegar.
Cá a salvo vejo as cores dos meses mudando na iluminação do Piratini.
Agora, novembro, o azul me lembra de que estou em dia com meus exames.
(*) Por Adeli Sell, professor, escritor e bacharel em Direito.
*As opiniões dos autores de artigos não refletem, necessariamente, o pensamento do Jornal Brasil Popular, sendo de total responsabilidade do próprio autor as informações, os juízos de valor e os conceitos descritos no texto.