Os assassinatos de pessoas negras no Brasil e no mundo não se constituem em fatos isolados, não são ações incomuns protagonizadas por policiais despreparados, não são resultados da má conduta de poucos agentes que querem manchar o nome da corporação. Estes discursos prontos revelam o quão refratárias são as autoridades vinculadas ao aparato de segurança à reorientações profundas nas abordagens policiais.
Os antagonismos entre bem/ mal, legal/ ilegal facilmente são equiparados à polarização entre polícia/ marginal, como se pudéssemos estabelecer tal analogia sem corrermos riscos. Os abusos de autoridades cometidos por policiais contra a população negra e periférica são tão recorrentes que acabam tornando indefensável qualquer argumento que vise isentar a instituição. As arbitrariedades são cotidianas, mais frequentes do que as câmeras de celulares de pessoas atentas e sensíveis para registrá-las. Portanto, cada vídeo gravado possui uma dimensão simbólica, pois tal registro remete a outros tantos fatos que não são filmados, mas aparecem em percentuais de forma gritante nos mapas da violência.
É impossível tratar da violência policial sem falar da delinquência policial. Já não é novidade para ninguém que a farda encobre uma série de atividades ilícitas. Se a desatenção do Estado, baixos salários e o sucateamento da estrutura estimulam à adoção de práticas ilegais, soma-se a isso a predisposição do aparato de segurança em reprimir segmentos socialmente vulneráveis. Este ânimo é fruto de uma construção histórica e precisa ser combatido com a mobilização constante da sociedade civil organizada.
Talvez um antídoto eficaz contra a doença que é o racismo manifesto pela polícia seja a obrigatoriedade de cursos de formação continuada voltados para os Direitos Humanos, com ênfase nas relações raciais. Embora isto não garanta uma mudança radical ao menos contribui para desintoxicar parcela expressiva das novas gerações de policiais. Quem sabe assim, algum dia, possamos finalmente respirar.