“O país não pode retroagir aos tempos da barbárie”, exige o editorial do Correio deste domingo — O Brasil diz não à violência. Mas, lamentavelmente, há quatro anos, estamos em retrocessos diários e mais agressivos dia após dia. Valores civilizatórios que nos diferenciam dos seres irracionais estão sendo limados. A sociedade vem sendo empurrada para o túnel estreito e sem fim da obscuridade. A agressividade e a eliminação dos divergentes em torno de ideias e comportamentos ultrapassados tentam subjugar os ditos “diferentes”. Tornaram-se critérios orientadores das iniciativas do poder público.
Os paradigmas constitucionais de 1988, que avançaram para a construção de um país menos desigual, estão sendo diluídos pelo ácido da violência. O direito universal à vida foi relativizado. Eliminar quem discorda deixou de ser palavra de ordem. Tornou-se prática real. A morte por todas as expressões de violência foi banalizada. Antecipar o momento derradeiro pela bala de um revólver, ou pela lâmina afiada de uma faca, não tem importância, pois a vida é finita para todos.
Hoje, o poder público ignora a eliminação dos que se opõem ao status quo. Produz marcos legais que favorecem o belicismo e a selvageria. Mais de um milhão de artefatos bélicos foram liberados aos cidadãos comuns, apoiado no sofismático conceito de que arma de fogo é uma segurança pessoal, para as famílias, para a soberania nacional e garantia da democracia.
Em meio à cegueira do que sejam liberdade e democracia, a insegurança é fortalecida. A liberdade de expressão se torna direito restrito aos que tecem as rédeas do autoritarismo. A liberdade de escolha está submetida a uma só opção: faça o que eu mando, e não discuta o que realizo.
Os diferentes alvos dessa guerra não declarada, mas concreta, estão estabelecidos: progressistas, democratas genuínos, homossexuais, mulheres, negros, indígenas e pobres. Todos esses segmentos são obstáculos à construção de um modelo cerceador de liberdades, pois revelam-se insurgentes ao projeto desumano de convivência, próprio do absolutismo. Eliminar os que se opõem à trajetória retrógada e incompatível com o momento histórico e civilizatório é a grande meta.
Hoje, o poder público, de interesse privado, entende como indispensável extinguir os que reagem à proposta original que segue seu curso de retomada do caminho inverso ao o regime democrático, que ressuscitou o Estado de direito. Apela-se à truculência como nave que nos levará ao passado, quando o embate de pensamentos impunha ao discordante o cárcere, a tortura e a supressão da vida.
Embarcar nessa viagem é a negação da própria existência. Seria o ápice do desprezo dos sonhos. Impossível aceitar o silenciamento das vozes dos diferentes que formam um coral genuinamente brasileiro. Seria ignorar a trajetória de 200 anos da independência e trocá-la pelas algemas da submissão. Precisamos muito, apesar de todos os atrasos, de um Brasil pacífico, igualitário, justo, onde a vida e o bem-estar dos viventes, sem discriminação e preconceitos, sejam objetivos pétreos do Estado democrático. A paz e a democracia libertam. Solidariedade é desenvolvimento.
Artigo publicado, originalmente, no Correio Braziliense, na edição de 12/9/2022.
(*) Por Rosane Garcia, jornalista, para o Jornal Brasil Popular
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Rosane Garcia se formou em jornalismo em 1981, pelo UniCeub. Fez estágio no Correio Braziliense, onde trabalhou, como repórter até 1986. Em seguida, foi para a Folha de S.Paulo, seguiu para a sucursal do jornal Zero Hora, passou pelo O Estado de S.Paulo e Jornal do Brasil.
Ao longo da carreira se dedicou às causas sociais, com foco nas questões indígenas e no movimento dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Hoje, é subeditora de Opinião do Correio Braziliense.
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