A possibilidade de fusão do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) com o Partido Socialista Brasileiro (PSB) está descartada, pelo menos por enquanto. O que se discute, no momento, é uma mudança na legislação que possibilite a existência das federações de partidos, proposta pela qual os comunistas lutam desde a Constituinte. Nesta entrevista, concedida com exclusividade para o Jornal Brasil Popular, Haroldo Lima, membro da Comissão Política Nacional do Comitê Central do PCdoB, explica o que está em debate e fala sobre a importância de buscar alternativas para o melhor desempenho das agremiações partidárias na luta contra o fascismo e o neoliberalismo.
Haroldo Lima, militante histórico, faz parte da direção nacional do PCdoB há 47 anos, dos quais devem ser excluídos os três em que passou em presídio político durante a ditadura militar brasileira.
Uma das principais mudanças instituídas pela reforma eleitoral promulgada pelo Congresso Nacional em outubro de 2017 (PEC 33/2017) foi o fim das coligações nas eleições para vereadores e deputados, que entra em vigor este ano. É a chamada cláusula de barreira. Agora, os partidos sairão sozinhos na disputa para as câmaras municipais de todo o País. Ao aprovar o fim das coligações, a ideia era desestimular a criação e manutenção das chamadas legendas de aluguel – partidos usados por siglas maiores para turbinar seu quociente partidário – e acabar com o “efeito Tiririca”, quando a votação expressiva um candidato ajuda a eleger outros da mesma coligação. Eleito em 2014 com mais de um milhão de votos, o deputado federal Tiririca (PL-SP) levou para a Câmara outros cinco candidatos. O problema é que legendas históricas e ideológicas como o PCdoB poderão ficar prejudicadas, pois caso não consigam atingir o número mínimo de deputados eleitos não terão os benefícios concedidos aos grandes partidos.
Haroldo Lima falou também sobre a viabilidade de uma frente ampla de esquerda para enfrentar a extrema direita: “Se para participar da frente ampla para enfrentar a extrema direita for preciso ser de esquerda, a frente não será ampla, terá forças menores que as necessárias, e aquém do possível. É muito grande a quantidade de gente que está ou pode ficar contra tudo o que está aí – americanismo deslavado, obscurantismo, ligação com crime organizado, corrupção, nepotismo insolente, desrespeito às instituições, destruição das empresas públicas. Grande parte desse pessoal não é de esquerda. Se deixarmos fora da frente contra Bolsonaro todo o contingente que não for de esquerda, estaremos dando uma “mãozinha” a Bolsonaro, que nos agradecerá. Não podemos fazer isso”.
A seguir, a íntegra da entrevista:
Haroldo Lima: “Uma frente ampla não pode ser só de esquerda”
Qual é exatamente a ideia que envolve a aproximação do PCdoB com o PSB?
Haroldo Lima – O PCdoB é um aliado histórico do PSB. Em 1989, na primeira eleição geral que se seguiu ao fim da ditadura, uma frente eleitoral lançou Lula como candidato a presidente da República. A frente chamava-se Frente Brasil Popular e dela faziam parte PT, PSB e o PC do B. De lá para cá, seja em nível nacional, seja em eleições estaduais, com muita frequência PCdoB e PSB têm marchado juntos. No momento, independentemente de eleições, consideramos que a luta libertária no Brasil precisa fortalecer uma frente, a mais ampla possível, contra Bolsonaro e seu governo obscurantista, pró-fascista e, de acordo com as condições, levá-lo de roldão. Paralelamente, temos que nos preparar para as eleições deste ano e as de 2022. O conservadorismo predominante no Congresso nos retirou a possibilidade de formarmos coligações partidárias para disputar eleições [proporcionais]. A direita conseguiu seu intento de dividir para reinar. Estamos nos preparando com decisão para enfrentarmos a cláusula de barreira que foi criada para a próxima eleição e arquitetando planos para participarmos da eleição de 2022, sobretudo se até lá o Bolsonaro ainda não tiver sido desbancado.
A existência da cláusula de barreira é um estímulo à aproximação do PCdoB com o PSB? Seria para uma eventual fusão? Ou o quê?
H. L. – A cláusula de barreira é uma violência que golpeia as iniciativas dos partidos políticos nas eleições. A aproximação entre partidos que tem afinidades políticas e ideológicas é um caminho a ser trilhado em qualquer situação. Frente à cláusula de barreira é um caminho imperioso. No que nos diz respeito, a ideia de fusão não está em discussão. Atendo-nos ao que falou ainda há pouco o nosso companheiro-governador Flávio Dino [do Maranhão], teremos que buscar formas de fazer com que nossa legislação abrigue as federações de partidos, ou partidos de frente, que são a mesma coisa, e pelo que lutamos desde a Constituinte. Para tanto, a aproximação com o PSB é muito bem vinda e pode ser ponto de partida para a atração de outros partidos afins para o mesmo objetivo.
Como o PCdoB está se organizando para as eleições proporcionais de 2022 e para as eleições municipais deste ano?
H. L. – As eleições deste ano já estão com suas regras estabelecidas e elas são draconianas, mormente para os pequenos partidos, chamados ideológicos. Estamos mobilizando nosso pessoal e os amigos para a luta. Criamos o Movimento 65, que está dando certo, levantando campanhas como a da luta por salvar vidas na pandemia, estender [por mais tempo] o auxílio emergencial de R$ 600, apoiar as micro, pequenas e médias empresas que estão quebrando aos milhares, e responsabilizar o governo atrabiliário de Bolsonaro pelo crescimento inaudito das mortes pelo coronavírus em nosso país.
O senhor acredita ser possível uma Frente Ampla de Esquerda para enfrentar a extrema direita e o neoliberalismo?
H. L. – Se para participar da frente ampla para enfrentar a extrema direita for preciso ser de esquerda, a frente não será ampla, terá forças menores que as necessárias e aquém do possível. É muito grande a quantidade de gente que está contra ou pode ficar contra tudo o que está aí – americanismo deslavado, obscurantismo, ligação com crime organizado, corrupção, nepotismo insolente, desrespeito às instituições, destruição das empresas públicas . Mas, grande parte desse pessoal não é de esquerda. Se deixarmos fora da frente contra Bolsonaro todo o contingente que não for de esquerda, estaremos dando uma “mãozinha” a Bolsonaro, que nos agradecerá. Não podemos fazer isto.
Outras opiniões
As questões políticas que envolvem a cláusula de barreira, fusão de partidos e as eleições brasileiras fazem parte da preocupação de partidos e especialistas. O jornalista Hélio Doyle, analista de campanhas eleitorais, “é muito difícil que um partido ideológico e centenário como o PCdoB se dissolva”. Se isso acontecer, “provavelmente o que haverá é a migração de alguns filiados e outros tentando manter o partido, como aconteceu com o PCB”.
Hélio Doyle defende a união de partidos, “em muitos casos, é necessário, por causa da cláusula de barreira, mas seria melhor constituir uma frente ampla de esquerda, com os partidos mantendo sua identidade.” Se a ideia de federação não vingar no Congresso, Doyle sugere que os partidos abriguem os candidatos de outras legendas. “É preciso unir respeitando as diferenças. Na verdade, o que penso é que faltam visão estratégica e grandeza aos dirigentes dos grandes partidos, como os do PT”, conclui.
A deputada distrital Arlete Sampaio (PT-DF) acha que uma eventual fusão dos dois partidos (PCdoB e PSB) “fará bem às duas siglas e fortalecerá o campo da esquerda brasileira”.
Já para a deputada estadual Dani Monteiro (PSol-RJ) “nenhum partido vai negociar fusão antes das eleições de 2022”. Sobre a cláusula de barreira, a deputada diz o seguinte: “O foco do PSol neste momento são as eleições municipais, nas quais apresentaremos um programa de defesa dos direitos dos trabalhadores, da democracia e o combate ao fascismo. Esse compromisso com a população tem se refletido no crescimento do partido e, por isso, já nas últimas eleições obtivemos um resultado acima da cláusula de barreira.”