Polícia Federal interroga envolvidos em abordagem a procurador, que foi questionado sobre suspeitas no governo Bolsonaro
A Procuradoria-Geral da República acionou a Polícia Federal para abrir uma investigação contra ao menos três brasileiros que abordaram o chefe do órgão, Augusto Aras, durante suas férias em Paris.
Um vídeo publicado em redes sociais mostra Aras atravessando a rua e sendo cobrado para atuar em apurações envolvendo suspeitas do governo de Jair Bolsonaro (PL), como escândalos no MEC (Ministério da Educação).
O pedido foi assinado pela vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, logo após episódio, em abril. Apuração é do jornal Folha de S. Paulo e, segundo o veículo, o jornal tentou contato com a PGR, mas não houve resposta.
Após a abordagem na capital francesa, auxiliares do chefe do Ministério Público Federal redobraram os cuidados com sua segurança.
De acordo com informações obtidas pela reportagem, a PF ouviu algumas das pessoas que criticaram Aras assim que eles retornaram de viagem, ainda no aeroporto de Guarulhos (SP).
Lindôra cita na requisição um artigo da lei nº 14.197, que trata dos crimes contra as instituições. O dispositivo diz que é crime tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.
Sancionado em agosto de 2021, o texto da lei revogou a LSN (Lei de Segurança Nacional), editada na ditadura militar (1964-1985).
O mesmo artigo da lei foi citado no julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) que resultou na condenação do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ) a oito anos e nove meses de prisão por ataques verbais e ameaças a ministros da corte.
Segundo a apuração da Folha, a Polícia Federal abriu inquérito para investigar os críticos de Aras por injúria e difamação, mas não pelos supostos crimes citados pela Procuradoria.
Aras foi abordado por um grupo de brasileiros na capital francesa, onde passava férias com a família.
Vídeo publicado nas redes sociais mostra um deles, que não foi identificado, cobrando do chefe do Ministério Público Federal investigações sobre a administração Bolsonaro.
“E aí, procurador? Dar rolezinho em Paris é legal, e abrir processo, procurador? Vamos lá investigar, procurador, ou vai continuar engavetando? Vamos lá fazer o seu trabalho?”
E prossegue: “Vamos investigar o bolsolão do MEC, pastor fazendo reunião, o Bolsonaro gastando milhões em Viagra para o Exército. Cadê investigação, procurador? Aqui em Paris tem nada para encontrar, não. Tem que procurar lá em Brasília”.
O vídeo ainda mostra uma pessoa afirmando: “Tudo por uma vaguinha no STF, né? Tudo por uma vaguinha”. Ao final da abordagem, Aras foi xingado. A gravação foi posteriormente apagada das redes sociais.
O jornal também revelou o áudio de uma reunião em que Ribeiro afirmou priorizar prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados pelos dois pastores. De acordo com prefeitos, um dos pastores chegou a cobrar propina em barra de ouro.
No começo de maio, a ministra Cármen Lúcia, do STF, determinou o envio do inquérito aberto para investigar Ribeiro à primeira instância da Justiça Federal em Brasília.
A decisão atende a um pedido de Lindôra. A representante da PGR afirmou que o tribunal deixou de ter atribuição para tocar a apuração depois da demissão do ministro.
Além do caso envolvendo os críticos em Paris, Aras processa o professor da USP e colunista daFolha Conrado Hübner Mendes por calúnia, injúria e difamação.
O PGR citou postagens de redes sociais e uma coluna de sua autoria, publicada no jornal paulista, intitulada “Aras é a antessala de Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional”.
A queixa-crime foi rejeitada em agosto do ano passado pela juíza federal Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, que, posteriormente, também indeferiu um recurso apresentado por Aras contestando sua decisão.
A discussão sobre o recebimento da queixa-crime prossegue no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Em outros casos, porém, a PGR citou a liberdade de expressão como um direito a ser protegido.
Em 2021, sob a alegação de que “representaria uma censura prévia à liberdade de expressão”, a Procuradoria opinou contra um pedido da PF de prisão preventiva do ex-deputado bolsonarista Roberto Jefferson.
Acatada pelo ministro Alexandre de Moraes, a medida foi realizada no âmbito do inquérito da chamada milícia digital, organização criminosa voltada a ataques à democracia e às instituições, incluindo o STF.
Moraes afirmou que ficaram demonstrados nos autos “fortes indícios de materialidade e autoria” de condutas enquadradas como incitação ao crime e associação criminosa, entre outros.
Em recente entrevista concedida à Reuters, Aras voltou a defender a liberdade de expressão ao ser questionado sobre os reiterados ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas. Ele afirmou que “onde não há liberdade de expressão não tem democracia”.
“Nós temos que ter essa compreensão de que, se nós começarmos a exigir da política e de todos os seus acólitos, todos os exercentes de mandato, comunicações politicamente corretas, nós estamos rompendo com o ideal da liberdade de expressão, que é o primeiro princípio de uma democracia”, disse.
Não foi a primeira vez que a PF foi acionada em caso de críticas a autoridades. Em dezembro de 2018, um o advogado Cristiano Caiado de Acioli, 39, foi levado a prestar esclarecimentos à polícia após criticar o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, em um voo do qual ambos eram passageiros.
Ao ver o magistrado a bordo do voo da Gol, que partiu de São Paulo rumo a Brasília, o advogado afirmou: “Ministro Lewandowski, o Supremo é uma vergonha, viu? Eu tenho vergonha de ser brasileiro quando eu vejo vocês”. A fala foi filmada por Acioli.
O ministro respondeu e pediu ao comissário de bordo que chamasse a PF para prender o advogado.
Agentes federais entraram no avião, mas decidiram não retirar Acioli do voo. Ele narrou que os policiais lhe disseram que ali não era lugar de se manifestar. O advogado afirmou que não discutiu com os agentes e que tentou não atrasar o voo.
(*) Por Marcelo Rocha e Fabio Serapião/Folha de S. Paulo
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