Exportações do Brasil para a Venezuela disparam, apesar do governo Bolsonaro manter a postura de distanciamento do país vizinho. A Sputnik explica quais são os grupos econômicos interessados na volta das relações entre o Brasil e Caracas.
Novos dados divulgados pelo Ministério da Economia revelam forte recuperação das exportações brasileiras para a Venezuela em 2022. https://sputniknewsbrasil.com.br/20220815/lucro-do-comercio-entre-brasil-e-venezuela-em-2022-pode-bater-recorde-da-gestao-bolsonaro-24211236.html
As cifras revelam que, após forte contração a partir de 2014, as exportações ganharam novo impulso a partir de 2021, atingindo US$ 1 bilhão (cerca de US$5,6 bilhões). O desempenho em 2022 deve ser ainda melhor, uma vez que, só no primeiro semestre, a marca já atinge os US$ 713 milhões.
No entanto, houve mudança no perfil das exportações brasileiras: se até 2014 os produtos manufaturados e o setor de serviços se destacavam, agora a retomada se dá sobretudo nas exportações de produtos do agronegócio.
“Durante o pico das exportações brasileiras, que ocorreu por volta de 2014 […] os produtos que o Brasil exportava para a Venezuela eram vinculados à indústria”, disse o professor de História da América da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Rafael Pinheiro de Araújo, à Sputnik Brasil.
Os principais produtos da pauta brasileira a partir de 2021 são o óleo de soja, milho, produtos derivados de carne e produtos lácteos.
Segundo Araújo, a mudança de perfil se deve às alterações na demanda da Venezuela, que teve sua atividade econômica seriamente retraída pelas sanções econômicas norte-americanas, que paralisaram a economia do país.
“Por outro lado, a Venezuela atualmente tem outros fornecedores internacionais, como a China, Turquia, Rússia, Chile e Colômbia”, notou o especialista. “O Brasil deixou um vácuo que já foi ocupado por outros países.”
O distanciamento brasileiro da Venezuela teve início nos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro, com reflexo direto na queda das exportações do Brasil para o país vizinho.
“O afastamento foi uma opção política e diplomática, e não econômica. De maneira pragmática, não interessa ao empresariado brasileiro se afastar da América do Sul”, disse Araújo.
O especialista aponta que “agora que a Venezuela está colocando a cabeça para fora da crise e negociando com os EUA a eventual suspensão das sanções econômicas”, o empresariado brasileiro deve tentar recuperar seu espaço.
Diplomacia parlamentar
O aumento das exportações brasileiras se deve principalmente ao trabalho do Senado Federal, que instituiu o Grupo Parlamentar Brasil-Venezuela, em maio deste ano.
Capitaneado pelo senador Chico Rodrigues (União-RR), o grupo realizou uma missão à Venezuela em junho de 2022, durante a qual foi recebido pelo presidente Nicolás Maduro no Palácio Miraflores.
Durante a missão, o presidente venezuelano autorizou a criação de um escritório de alto nível em Caracas para tratar de assuntos comerciais entre o Brasil e a Venezuela.
Em entrevista à TV Senado, Chico Rodrigues disse que a missão de dez dias ao país vizinho “foi uma visita maravilhosa, com resultados fantásticos para uma possível retomada das relações entre Brasil e Venezuela.”
Para Araújo, o grupo parlamentar “tira o lado ideológico e retoma o pragmatismo da política externa brasileira”.
Apesar das oportunidades de negócios, o governo brasileiro ainda não se posicionou em relação à retomada das relações diplomáticas oficiais com a Venezuela.
“Nós estamos apenas aproveitando um canal de diálogo para fazer diplomacia parlamentar. O presidente da República e o Ministério das Relações Exteriores ditam a política externa”, disse o senador.
Para Araújo, apesar do chanceler brasileiro Carlos França ser menos incisivo em seu posicionamento contra Caracas do que seu predecessor, Ernesto Araújo, o Itamaraty continua empenhado na política de distanciamento.
“É muito difícil para Carlos França fazer uma aproximação, porque tem toda uma questão ideológica por trás”, considerou Araújo. “‘Não acho que França tenha força no governo para capitanear uma retomada das relações bilaterais.”
Estado de Roraima
O presidente do Grupo Parlamentar, senador Chico Rodrigues (conhecido do público por ter escondido dinheiro em roupas íntimas durante operação da Polícia Federal, em outubro de 2020) é representante do estado de Roraima, que ganhou protagonismo nas relações com a Venezuela nos últimos anos.
“O Estado de Roraima vive um boom de exportações, por conta das vendas de gêneros alimentícios para a Venezuela”, notou Araújo. “Cerca de 75% das exportações de Roraima vão para o país vizinho.”
Segundo dados do Ministério da Economia, as exportações de Roraima bateram o recorde histórico em 2021, atingindo US$ 330 milhões, dos quais US$ 244 milhões foram para a Venezuela.
Araújo ainda nota que a migração de venezuelanos para Roraima, que ganhou força nos últimos anos, contribuiu para a formação de redes de contatos e vínculos entre as sociedades.
O senador Chico Rodrigues, no entanto, defende que o Brasil retome os contratos com a Venezuela para garantir o fornecimento de energia elétrica para Roraima.
O estado de Roraima não está ligado ao sistema nacional de energia e atualmente depende do diesel para atender a demanda local. Segundo o senador, o estado poderia receber energia da hidroelétrica venezuelana de Guri, a um custo 60% inferior ao despendido com as termelétricas.
Chico Rodrigues ainda revelou que o presidente venezuelano Nicolás Maduro teria autorizado a retomada dos contratos de fornecimento de energia, e que “se o Brasil quiser comprar, a Venezuela voltaria a vender”.
Cooperação Energética
Apesar do otimismo do senador, as perspectivas para uma cooperação energética de maior vulto entre Brasil e Venezuela é pequena, acredita o conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), Jorge Camargo.
“Não vejo grandes possibilidades de cooperação energética com a Venezuela, com exceção de casos limitados, como as questões de fronteira com o estado de Roraima”, disse Camargo à Sputnik Brasil.
Segundo ele, projetos energéticos conjuntos malogrados no passado são a prova de que há pouca complementaridade energética entre Brasília e Caracas.
“A Venezuela e o Brasil são competidores na área energética: vamos competir por investimentos, por mercados, por talentos”, apontou o especialista.
A eventual retirada das sanções norte-americanas no setor de petróleo, no entanto, poderia fomentar investimentos brasileiros no país vizinho.
“Oportunidades de investimento na Venezuela existem, mas o problema é o ambiente de investimentos”, acredita Camargo. “Não vislumbro aumento dos investimentos enquanto a Venezuela não modificar a sua regulação.”
Segundo ele, o Brasil poderia cooperar com o país vizinho na área regulatória, fornecendo expertise de agências como a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).
“O Brasil poderia ajudar a Venezuela a reconstruir seu setor petrolífero, que está sucateado”, acredita o especialista. “Mas não vejo a Petrobras fazendo esse tipo de investimento, porque a empresa está muito concentrada em projetos dentro do Brasil.”
Após anos de distanciamento, Brasília terá que repensar sua interação com Caracas, caso queira que setores além do agronegócio participem na retomada das relações econômicas bilaterais.
Dados divulgados pela Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia revelam a retomada das exportações do Brasil para a Venezuela, com destaque para o óleo de soja, milho e gêneros alimentícios. O aumento é creditado à recente retomada de contatos empresariais e parlamentares entre os países vizinhos.
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