Está fora de dúvida que a participação do Bolsonaro em atividades conspirativas feitas às claras e transmitidas em tempo real pelas mídias oficiais do governo seria mais uma causa suficiente para seu afastamento imediato da Presidência da República.
Mas isso, entretanto, não deverá acontecer. Em primeiro lugar, porque o Congresso e o STF, mesmo se provocados a agir, provavelmente não farão mais que discursos grandiloquentes, laudatórios e estéreis em defesa da democracia, da harmonia entre os poderes e blá, blá, blá.
E, mesmo se congressistas e ministros da Suprema Corte decidissem agir, a estas alturas seriam amedrontados e veriam suas capacidades de decisões restringidas pela tutela dos militares.
É conveniente lembrar que o presidente do STF Dias Toffoli tem um general interventor/tutor designado no seu gabinete pelo general Villas Bôas desde setembro de 2018.
Este novo ataque de Bolsonaro às instituições – ainda mais afrontoso, mais grave e mais acintoso que todos os ataques perpetrados anteriormente ao Estado de Direito – pode ser interpretado ou [i] como mostra de fraqueza de um governante que busca novas fontes de poder, ou [ii] como exibição de força, simpatia e apoio dos militares para a escalada militarista, sob a liderança do Exército, rumo à implantação de um regime dos quartéis.
A data escolhida para este atentado que defende o fechamento do Congresso e do STF e a instauração de uma ditadura militar não poderia ser mais simbólica: 19 de abril, dia do Exército brasileiro.
Muito se especula sobre o poder e a força política e institucional de Bolsonaro, assim como acerca de eventuais contradições entre ele, os comandantes militares e os generais do governo. O que se pode observar, contudo, é que Bolsonaro e os militares divergem apenas quanto à forma do “cavalão” [apelido do Bolsonaro dos tempos de caserna] fazer as coisas.
Mas os militares [assim como a maioria parlamentar] têm concordância absoluta com a essência da política em curso: entreguista, de submissão aos EUA, de esmagamento do mundo do trabalho, rapinagem e saqueio das riquezas do país, privatização e financeirização da economia e abandono da soberania nacional e de um projeto estratégico de nação.
Os militares, além disso, e por razões que não vem ao caso desenvolver nesta rápida análise, respeitam Bolsonaro como legítimo comandante supremo das Forças Armadas.
Aliás, se tivessem contradições e impasses que inviabilizassem a continuidade do Bolsonaro, os militares afiançariam seu impeachment e fariam o general Mourão assumir formalmente o cargo – salvo, claro, na eventualidade de restrições deles ao vice.
O atentado do Bolsonaro e da matilha bolsonarista não recebeu nenhuma repreensão dos militares. Até este momento, não se manifestaram oficialmente; no máximo, declararam em off “constrangimento” e “incômodo” [sic] para um jornalista da Globo.
A roda girou, sem que conseguíssemos perceber e captar a tempo o sentido e a direção dos acontecimentos. Diferente do golpe de 1964, em que a ditadura que tomou o poder instalou um Estado de Exceção, desta vez a evolução autoritária e ditatorial segue trajetória inversa.
A corrupção do sistema judicial e político pela organização criminosa de Curitiba [como Gilmar Mendes nomina a Lava Jato] instaurou o Estado de Exceção que garantiu a eleição ilegítima de um governo militar que pode evoluir para uma ditadura militar.
O caos metódico e deliberado produzido pelo bolsonarismo no enfrentamento à pandemia do COVID-19 pode fornecer o substrato ideal para a evolução ditatorial do regime.