O fundamentalista faz referência a uma citação bíblica para incitar o ato de violência. Desde quando Deus pode ser associado à violência, ao crime e a tantas outras formas de agressão?
Inacreditável. Mas está gravado e veiculado pelas redes sociais o apelo de um líder religioso aos fiéis que rezem para que a mandíbula do presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja quebrada, e os ministros do Supremo Tribunal Federal prostrados. O fundamentalista faz referência a uma citação bíblica para incitar o ato de violência. Desde quando Deus pode ser associado à violência, ao crime e a tantas outras formas de agressão?
O termo cristão está no livro Atos dos Apóstolos e no Novo Testamento da Bíblia. Significa aquele que segue os ensinamentos e doutrinas do cristianimo deixados por Jesus Cristo. Na infância e na adolescência, fui aluna de um colégio católico que, nas aulas de religião, ensinava o respeito e compaixão ao próximo. “Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amo”, disse Cristo aos seus discípulos. Os conflitos deveriam ser superados por meio do diálogo, pois as divergências jamais deveriam ser vencidas pela violência.
Mas vivemos momentos conturbados, eivados de ódio e de intolerância. Os motivos são os mais variados. Vão desde as divergências ideológicas, até inomináveis formas de preconceitos e discriminações, nas quais os humanos não reconhecem o outro como tal. Esse não reconhecimento se dá em relação à cor da pele, aos gêneros, à origem étnica e às condições socioeconômicas dos indivíduos. Ou seja, por valores que desagregam a sociedade e estabelecem critérios de superioridade e inferioridade, excluem a racionalidade, esquecendo que todos, inexoravelmente, terão o mesmo fim — a morte.
A horizontalidade se impõe na finitude da vida. Queiram ou não, é idêntica na putrefação dos corpos, não importando se foram ricos ou pobres, pretos ou brancos, ou quaisquer outros valores que pautaram a soberba ou a humildade, durante a trajetória neste planeta.
Espera-se que um líder religioso tenha consciência desse epílogo para a história de vida de qualquer um. Não é dada a ninguém, principalmente aos religiosos, a prerrogativa de fazer apologia da violência e instigar o seu público a ter um comportamento que leve à morte precoce de qualquer ser. Essa autorização não é encontrada em nenhum capítulo da Sagrada Escritura, legada à humanidade pela figura máxima do critianismo, Jesus Cristo. A vida a Deus pertence.
A orientação do pastor está fora dos ensinamentos cristãos e do atual contexto, principalmente após os atos de barbárie de 8 de janeiro. Há muito, a sociedade reclama da violência que reina no país, atingindo insuportáveis índices de homicídio, feminicídio, latrocínio, estupros e tantos outros crimes. Os cidadãos vão à rua receosos de serem a próxima vítima.
As forças de segurança pública não conseguem conter as agressões, forjadas na incivilidade e na incapacidade da sociedade ser educada e adotar a cultura de paz. O crime organizado avança a cada momento e subjuga comunidades inteiras, sem que o Estado tenha capacidade de conter sua expansão. Não há, portanto, necessidade de um pastor estimular que mais atos de agressão à vida sejam praticados, não só contra o presidente da República, legitimamente eleito, mas contra quaisquer pessoas que discordam dos seus pensamentos, ideologias e práticas de fé. Precisamos de paz.
(*) Por Rosane Garcia, jornalista
Artigo publicado, originalmente, no site do Correio Braziliense.
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