O programa Tecendo o Amanhã, da TV Comunitária do Rio, veiculado na quinta-feira (12), véspera dos 95 anos de nascimento do líder da Revolução Cubana, Fidel Castro, teve um toque especial. Mais uma vez discutiu os destinos e os desafios da esquerda, das forças progressistas em toda a América Latina, inclusive do Brasil, para a retomada da democracia de fato. Para isso, os jornalistas Beto Almeida e Francisco Soriano entrevistaram o frade dominicano e escritor Frei Betto.
Com mais de 60 obras publicadas e vários prêmios por seu trabalho e sua vida dedicados à defesa dos direitos humanos, Frei Betto publicou, no fim do ano passado, sua 69º obra, intitulada “Diário de Quarentena – 90 dias em Fragmentos Evocativos” , pela editora Rocco. Frei Betto dedica essa obra a ensaios, artigos, registros de notícias sobre o avanço da Covid-19, poemas, memórias da ditadura e de pessoas próximas, como frei Tito, amigo torturado e morto, em 1974, pela ditadura militar.
Cuba
Na entrevista, Frei Betto denuncia o embargo econômico a Cuba imposto pelos EUA. “Estou promovendo, juntamente com João Pedro Stédile, Eric Nepomuceno, Fernando Morais e Chico Buarque, uma campanha de solidariedade a Cuba para a compra de medicamentos e alimentos por meio da Câmara Empresarial Brasil–Cuba, que é quem cuida de comprar esses produtos e enviar ao país caribenho. Quem quiser colaborar é só entrar no site da Câmara e fazer a doação”, convida o frei.
Fidel Castro
Fidel era uma pessoa especial porque ele tinha uma profunda convicção revolucionária que ele herdou não de Marx, Lênin, Mao Tse-Tung, mas de José Martí, que, infelizmente, é pouco conhecido no Brasil. Foi um cubano que lutou contra a colonização espanhola durante a independência de Cuba e morreu de armas nas mãos, mas depois de ter produzido uma vasta obra poética, literária, ensaística, jornalística. Ele reuniu, como Lênin, a prática revolucionária a um trabalho teórico muito profícuo.
Ditadura
Amigo de Fidel Castro, Frei Betto disse que uma das frases que o líder cubano mais gostava de repetir, de José Martí, era “Toda a glória do mundo cabe num grão de milho”. Ele contou que essa frase está gravada no túmulo de Fidel: uma pedra na forma de um grão de milho, em Santiago de Cuba. Também disse que, no testamento que Fidel deixou, ele estabeleceu algo totalmente inédito na história dos grandes chefes de Estado: “’Não admito que meu nome seja dado a nenhuma escola, nenhum hospital, nenhuma avenida, nenhum monumento’. Uma decisão inédita que vai na contramão do culto à personalidade dos chefes de Estado, que marcou, sobretudo, alguns países socialistas. Cuba é o único país da América Latina que conquistou a independência e a soberania diante dos EUA”.
O religioso mostro as razões das dificuldades que Cuba enfrenta, impostas pelos EUA, para assegurar sua soberania e afirma que a independência é sustentada por causa dos três direitos humanos fundamentais assegurados à ilha: alimentação, saúde e educação. “Quando dizem que Cuba é uma ditadura, eu pergunto que democracia é essa a nossa em que votamos a cada 2 anos, mas não há a mínima isonomia econômica? Do meu ponto de vista, a democracia política é aquela que está respaldada pela democracia econômica. Em que as pessoas têm condições dignas de vida, têm direito à alimentação, à educação, à saúde, à cultura”, disse.
Redes digitais
Também fala sobre as redes sociais, a pós-verdade, as mentiras do presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL). “A imunidade é a mãe da impunidade: quanto menos se punir esse cidadão que, indevidamente, ocupa o Palácio do Planalto, mais ele vai prosseguir, mais ele vai sabotar, mais ele vai mentir e mais ele vai prejudicar a vida da Nação”.
Centenário de Paulo Freire, analfabetismo e governo Lula
“Fui muito amigo de Paulo Freire. Inclusive fizemos juntos um livro intitulado “Esta escola chamada vida”, graças à mediação do jornalista Ricardo Kotscho. O que nós temos é uma vergonha. Temos uma parcela de brasileiros acima de 15 anos de idade ainda analfabeta. Sem contar o grande contingente de semianalfabetos”, contou.
Na análise sobre o analfabetismo no Brasil, Frei Betto afirma que “um dos equívocos do governo do PT, nos 13 anos, foi, como você disse, não ter feito investimento mais contundente na educação, mas, eu diria que, sobretudo, não ter aproveitado, nos 13 anos, para fazer um intenso trabalho de educação cidadã, de educação política de nosso povo”.
A gente quer viver uma Nação!
Com o tempo dividido entre o convento dominicano, em São Paulo, um sítio e palestras virtuais, escritas e entrevistas, ele, que sai apenas esporadicamente para ir a consultas médicas de rotina, foi entrevistado pelo Tecendo o Amanhã para falar sobre o tema do título do programa dessa quinta: “A gente quer viver uma nação!” Repleta de significados e memórias de esperança, esta edição do programa traz, em seu título, um verso da letra da música “É”, de Gonzaguinha.
“[…] É . A gente quer viver pleno direito / A gente quer viver todo respeito / A gente quer viver uma nação / A gente quer é ser um cidadão /A gente quer viver uma nação / É é é é é é é é […]”, na qual o compositor faz um manifesto em defesa da nação, do amor, do trabalho, do respeito, do humor, do prazer, da saúde, da liberdade, do direito ao bom e ao melhor etc.
Gonzaguinha foi um artista revolucionário e humanista que a ditadura militar (1964-1985) quis calar. Ele teve 54 músicas censuradas e foi perseguido Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Filho do grande compositor e músico Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, morreu aos 45 anos, em 29 de abril de 1991, na rodovia PR-280, entre Marmeleiro e Renascença, vítima de um acidente de automóvel, quando voltava de sua última apresentação em Pato Branco, no sudoeste do estado.
Confira, a seguir, a entrevista do Tecendo o Amanhã com Frei Betto
O programa Tecendo o Amanhã, da TV Comunitária do Rio de Janeiro, é transmitido ao vivo. Trata-se de uma parceria entre os canais comunitários do Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba, Belo Horizonte, Recife e a rádio Manawa, a voz da resistência. A rádio Manawa pode ser sintonizada pela Internet em manawa.com.br. O Tecendo o Amanhã é apresentado pelos jornalistas Moysés Corrêa, da TVC Rio; Beto Almeida, diretor da Telesur e editor do programa Latitud Brasil, TVCom Brasília e Jornal Brasil Popular; César Fonseca, editor do site Independência Sul Americana; e Francisco Soriano, diretor da TV Com do Rio.
O nome do programa é uma homenagem ao grande poeta brasileiro pernambucano João Cabral de Melo Neto, que escreveu um poema cujo título é parecido com o nome do programa: “Tecendo a Manhã”. “Nesse poema ele diz que um galo sozinho não faz o canto ser escutado. É mais ou menos por aí a imagem de que, para nós, nos serve como uma alma para defender a favor da cultura, da vida, do Brasil, da soberania e de uma relação inteligente e harmoniosa com a natureza”, afirma o jornalista Beto Almeida sobre a homenagem. Confira o poema:
Tecendo a Manhã
1.
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
Publicado no livro A educação pela pedra (1966).
In: MELO NETO, João Cabral de. Obra completa: volume único. Org. Marly de Oliveira. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p.345. (Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira
Reproduzido do site Escritas.Org: https://www.escritas.org/pt/t/11508/tecendo-a-manha