Donald Trump, presidente eleito americano, que toma posse no próximo dia 20, é o maior responsável pela aceleração da reforma constitucional anunciada hoje pelo presidente Nicolás Maduro, empossado para o período 2026-2031.
O objetivo da reforma, segundo Maduro, é democratizar o poder na Venezuela, para ampliar participação popular no desenvolvimento nacional.
Trata-se de antídoto dialético à pressão imperialista trumpista contra o nacionalismo venezuelano, que fortalece a defesa do petróleo, maior riqueza nacional, base para alavancagem das atividades produtivas essenciais ao desenvolvimento.
Ao lado disso, Maduro, em seu discurso na Assembleia Nacional, convoca a classe empresarial para tal tarefa com apoio do crédito público, numa sinalização correspondente à orientação chinesa desenvolvimentista.
A estratégia madurista-chavista de combinação do desenvolvimento com reforma constitucional, visando democratização do poder, ao longo dos próximos 30 anos, demonstra fuga do projeto neoliberal de curtíssimo prazo, ao qual estão submetidos os países latino-americanos em geral, como ocorre no Brasil, sob dominância financeira especulativa.
CONTRAPOLO À PRESSÃO IMPERIALISTA
O fato é que essa opção anunciada por Maduro responde às pressões do império americano interessado em derrubá-lo, configurando luta de classe entre nacionalismo latino-americano x imperialismo norte-americano.
Se Maduro se rende, como maioria dos governos no continente sul-americano, às restrições orçamentárias e fiscais ultraneoliberais, de interesse do mercado financeiro, de Washington e Wall Street, ficaria prisioneiro das instabilidades macroeconômicas comandadas por bancos centrais, na mesma linha que tem seguido o BC Independente, no Brasil, submetido ao tripé econômico baseado em metas inflacionárias, câmbio flutuante e superávit primário.
Tal modelo, diretamente, coordenado pelos credores da dívida pública, segundo a regra inflexível de buscar relação rígida dívida/PIB, como única alternativa capaz de alcançar taxas de juros mais baixas, algo fictício, coloca o executivo sob orientação do legislativo, dominado pelo mercado, em regime parlamentarista, esvaziando governabilidade.
Na Venezuela, a maioria parlamentar é chavista e não se submete a essa regra neoliberal, buscando coordenação não com credores especuladores, mas com governo antineoliberal, desenvolvimentista, apoiado pelos militares, agora, em apelo aos empresários para um pacto social venezuelano.
Essa é a alternativa política de Maduro para resistir ao assédio imperialista de apoiar a direita e ultradireita venezuelana, impedindo sua volta ao poder, enquanto democratiza o poder vislumbrado pela proposta de reforma constitucional, acelerando a reforma constitucional.
Na prática, passa a vigorar na Venezuela uma segunda volta constituinte que contraria diretamente o império com fortalecimento das bases populares e poder militar, junto ao PSUV, Partido Socialista Unido de Venezuela, contra investidas imperialistas.
REAÇÃO À ALIANÇA VENEZUELA-CHINA
A mídia corporativa latino-americana levantou-se em uníssono nesse momento em que a posse de Maduro sinaliza futuro antineoliberal no país, o que contraria os especuladores, cuja prioridade é a restrição fiscal e monetária como arma para sustentar o rígido tripé neoliberal, como mandamento de Washington, sob Trump, para reafirmação da Doutrina Monroe.
Para o pensamento conservador, orientado pelo mercado, a opção de Maduro é inaceitável, especialmente, quando está por trás dela a aliança da Venezuela com a China para realizar grandes investimentos de infra-estrutura no país, a partir da reforma agrária, visando fortalecer o mercado interno consumidor.
Para que isso aconteça, a política econômica venezuelana terá que se pautar na maior oferta de crédito a juros mais baixos e prazos de financiamento mais longos, na linha desenvolvimentista, como aconteceu, por exemplo, no Brasil, na Era JK, ancorada em infraestrutura cuja solidificação nega políticas fiscais e restritivas neoliberais.
Quando o mercado financeiro brasileiro se aliou ao FMI contra o plano de metas juscelinista, engajado na construção de Brasília, nos anos 1960, JK rompeu com o FMI.
A mesma coisa fez Delfim Netto, nos anos 1980, quando, sob pressão de Washington, para interromper investimentos estatais, de modo a priorizar pagamento de dívida externa, descumpriu 7 cartas de intenção ao FMI que havia assinado, para ir adiante com o nacionalismo iniciado por Geisel etc.
A reforma constitucional de Maduro, portanto, ao propor democratização do poder e mobilização social pelo desenvolvimento, reage aos mesmos interesses financeiros que paralisam no Brasil a estratégia lulista desenvolvimentista.
A diferença, na Venezuela, é que, ao contrário do que ocorre no Brasil, com Lula prisioneiro do mercado financeiro especulativo, o presidente Maduro, mediante palavras de ordem chavistas, dispõe de ampla maioria chavista na Assembleia Nacional e forte apoio nos quartéis.
Não há, lá, o semipresidencialismo comandado por Arthur Lira, em aliança com a Faria Lima, para tentar barrar o lulismo e sua possibilidade de ganhar a reeleição em 2026.
Nesse sentido, o candidato a ditador Donald Trump, que ameaça invadir território nacional alheio, em nome do interesse imperialista americano, vai intensificar pressão sobre a Venezuela, onde Maduro, com sua reforma, promete acelerar a democratização do poder.
É o novo choque na luta de classe entre império e periferia na América Latina.
(*) Por César Fonseca, jornalista, atua no programa Tecendo o Amanhã, da TV Comunitária do Rio, é conselheiro da TVCOMDF e edita o site Independência Sul Americana.
*As opiniões dos autores de artigos não refletem, necessariamente, o pensamento do Jornal Brasil Popular, sendo de total responsabilidade do próprio autor as informações, os juízos de valor e os conceitos descritos no texto.