Ao deixar o tribunal na tarde em que um júri popular o considerou culpado no caso do suborno e das fraudes fiscais para silenciar a atriz pornô Stormy Daniels, Trump falou às câmeras de TV que o aguardavam, mas sem permitir qualquer pergunta dos repórteres, e se queixou mais uma vez de ter sido vítima de um julgamento manipulado e conduzido por um juiz corrupto. E aproveitou para pintar um quadro de horror na vida americana atual – culpa naturalmente do governo Biden.
Pouco depois, sua assessoria informou que na manhã seguinte, sexta-feira, ele daria uma entrevista sobre o julgamento, manipulado, segundo ele, e o veredito que confirmava as acusações do Ministério Público, segundo as quais o suborno de 130 mil dólares à atriz, para esconder seu encontro sexual com ele, garantira o resultado da eleição presidencial de 2016 e a investidura de Trump como Presidente dos Estados Unidos.
Na manhã ta-feira, de fato, Trump apareceu no saguão de entrada da Trump Tower, sua residência em Nova York, mas o que aconteceu não foi uma entrevista, foi um novo discurso para a câmeras, sem entrevistadores e muito menos perguntas e transmitido ao vivo para os Estados Unidos e o mundo tanto pelas TVs amigas, como a Fox News, como por muitas outras e também pelos canais de televisão via internet de jornais como o New York Times e o Guardian, de Londres. No mundo inteiro, quem aguentou viu Trump e ouviu seu monólogo.
Pensando bem, ele não poderia dar uma entrevista verdadeira, acessível a jornalistas de todas as tendências, porque seriam inevitáveis perguntas que no mínimo o embaraçariam e até o levariam ao ridículo.
Ao depor no julgamento, por exemplo, Stormy Daniels contou como, bem antes da candidatura dele à Presidência, Trump mandara convidá-la para um jantar no qual examinariam a possibilidade de ela participar do reality show que ele fazia na TV. Ela estava com 27 anos e essa seria uma boa chance de alavancar sua carreira. Stormy aceitou o convite a foi recebida no hotel onde ele se hospedava com Trump vestindo um pijama “de seda ou de cetim”. De que cor era o pijama? – inevitavelmente perguntaria algum repórter mais implacável – e isso seria mortal para a tentativa de Trump de volta à Presidência.
Então o melhor era mesmo evitar perguntas e perguntadores e aproveitar que o mundo inteiro estava na expectativa da prometida entrevista. Trump aproveitou e repetiu com mais descaramento ainda o que tinha desovado na véspera – e podia parecer absurdo para os telespectadores mais informados, mas convenceria os eleitores mais crédulos das regiões mais atrasadas e fechadas dos Estados Unidos.
Por exemplo, sobre o cotidiano das famílias americanas:
— Nossas crianças não podem mais jogar bola, porque temos imigrantes vivendo nos campos. E isso é o de menos. As pessoas estão tomando conta de nossos hotéis de luxo, imigrantes, e enquanto isso nossos veteranos de guerra, nossos grandes veteranos estão vivendo nas ruas, como cachorros. Eles estão vivendo nas ruas, mas imigrantes estão vivendo em hotéis de luxo e em cidades em todo o nosso país governadas por democratas.
E, por exemplo, xingando Biden e seu governo:
— Eles são gente ruim. Eles são, em muitos casos, acredito, gente doente. Quando você olha para nosso país, o que está acontecendo, milhões e milhões de pessoas entrando aqui, de todas as partes do mundo, não apenas da América Latina, da África, da Ásia, do Oriente Médio, e eles estão vindo de cadeias e penitenciárias, estão vindo de instituições de tratamento de saúde mental e de asilos de insanos, estão vindo do mundo inteiro para nosso país e nós temos um Presidente e um grupo de fascistas que não querem fazer nada sobre isso.
E pensar que Trump pode voltar a ser Presidente dos Estados Unidos e o homem mais poderoso do mundo! Já não chega o Netanayu?
(*) Por José Augusto Ribeiro – jornalista e escritor, é colunista do Jornal Brasil Popular com a coluna semanal “De olho no mundo”. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993); A História da Petrobrás (2023). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.