Advogado e professor, o presidente do PT de Santa Catarina, Décio Lima, é uma liderança do partido no Estado. À frente da sigla, por reeleição, foi vereador (1992-1996), prefeito de Blumenau (1996 e 2004), superintendente do Porto de Itajaí e deputado federal por três mandatos seguidos (2007-2011, 2011-2015 e 2015-2019), sendo líder da Minoria, no último período.
Nesta entrevista, concedida ao Jornal Brasil Popular (JBP), por meio digital, devido à Pandemia do Corona Vírus (Covid-19), Décio Lima analisa o cenário complexo e sem precedentes da história do Brasil, mergulhado em um contexto de crises – econômica, social, política e sanitária – que têm resultado em retrocessos e perdas de direitos, políticas públicas, acessos, cidadania e democracia.
É neste contexto, que ocorrem as eleições municipais. Mas, otimista, Décio vê possibilidades de seu partido eleger prefeitos, vereadores e vereadoras, pela Frente Ampla, que reúne as forças de esquerda no Estado. Esta aglutinação das forças do campo da esquerda, aponta Décio, poderá se revelar um paradigma para 2022. Ele avalia, ainda, que o ex-presidente Lula “está exercendo papel fundamental” nas eleições municipais de 2020.
JBP – A disputa eleitoral deste ano se dá em um cenário complexo e sem precedentes na história, com crises – econômica, social, política e sanitária -, retrocessos e ataques à democracia. Como você analisa este momento político-eleitoral no Brasil?
Décio Lima – Vivemos um momento sem precedentes na história do nosso país, e eu diria também, na própria história da humanidade. O momento é complexo e, por isso, extremamente desafiante. Porque nós também estamos diante de uma situação de alteração da base do capitalismo; um capitalismo que se transfere, agora, do ponto de vista das articulações inclusive mundiais, para uma nova concepção, que é a da inteligência artificial. Verificamos que aqueles que acumulam mais riqueza no mundo, já não são os de 20 anos atrás, com seus monopólios, no sistema financeiro, nas cadeias produtivas ou de matrizes energéticas, mas, são justamente aqueles que passaram a protagonizar o processo da tecnologia e, sem dúvida nenhuma, também gera uma crise do processo capitalista. Eu acredito que esta complexidade toda da junção destas crises, também estabelece uma grande oportunidade; a de reafirmarmos nossos valores – do campo democrático popular -, os valores da negação de que o sistema capitalista não resolveu os processos em curso para a humanidade; ao contrário, ele destrói as pessoas, ele mata as pessoas, ele exclui as pessoas. Portanto, vejo que este debate será o grande debate da construção também aqui do nosso país. Eu vejo que as possibilidades são extraordinárias para que possamos fazer uma nova aglutinação de valores no Brasil, com um desenho que produza esperanças, que toque o coração de nosso povo e que, sobretudo, vença essa pauta lamentável e triste do ódio e do fascismo, que tomou conta do comportamento de grande parte da sociedade brasileira.
JBP – Em Santa Catarina, como está a disputa política e eleitoral entre campos antagônicos, ou seja, progressistas e esquerda contra direita e ultradireita?
Décio Lima – O processo de unidade das esquerdas, principalmente, nas eleições municipais, em Florianópolis, revela que nós podemos referenciar um processo verdadeiramente aglutinador, a exemplo do que, guardadas as devidas proporções, mas que trouxe uma experiência vitoriosa no Uruguai, com a Frente Ampla. O processo só se permitiu, no caso de Florianópolis, quando nós colocamos na mesa o debate da causa; quando estabelecemos com muita clareza, o debate da estratégia política e não permitimos que, em nenhum momento, as vaidades humanas – que embora possam ser naturais – viessem a prejudicar a essência da compreensão que todos nós tínhamos naquele momento; que era justamente enfrentar um adversário muito poderoso, movido pela mentira e pelo ódio, com desprezo aos valores minimamente humanistas. Acredito que esta experiência, principalmente de Florianópolis, deve ser tratada como um paradigma para que possamos fazer isso na pauta do ano que vem, nas eleições para a Presidência da República e para os governos nos Estados. Aqui, em Santa Catarina, vamos, com certeza, nos alicerçar nessa experiência, para produzirmos uma eleição que seja, para o campo da esquerda, uma caminhada como alternativa de poder e não apenas para marcarmos posições, como tem sido infelizmente a trajetória de muitos de nós da esquerda. Então, acredito que isso tudo foi possível em razão de termos estabelecido, desde o começo, um debate de conteúdo, que em nenhum momento viesse a ser secundarizado, no alcance final da consolidação de uma frente como esta que, com muito trabalho, conseguimos erguer em Florianópolis.
JBP – Quais as previsões de vitória de projetos da esquerda na capital e nas cidades? Há candidaturas do PT com possibilidades de vitória no Estado? Onde?
Décio Lima – Eu sou sempre um otimista, daqueles que afirmam que a pior derrota é aquela que não se enfrenta. Eu acho que o que estamos fazendo em Santa Catarina, com nossa aglutinação, já é uma vitória extraordinária. Acredito que temos, sim, reais possibilidades de vitória, em Florianópolis e em cidades como Blumenau, Joinville e Criciúma – que são disputas de segundo turno. Também estamos disputando em praticamente todas as cidades de Santa Catarina. Nessas eleições, só o PT, por exemplo, comparado com as eleições de 2016, mais que duplicou o número de candidatos e candidatas a vereadoras e vereadores, prefeitos e vice-prefeitos. Isso é animador. Acredito que a indignação com tudo que está acontecendo no nosso país, se tornou um tônico, que colocou para todos nós, militantes da esquerda, uma pergunta: Nós vamos ficar de brações cruzados? Não! Nós vamos à luta no campo democrático, que foi uma conquista inclusive nossa, da esquerda brasileira, que restabeleceu, 40 anos atrás, a vida democrática em nosso país. Por isso, estamos muito otimistas, com uma capilaridade expressiva e vamos fazer um processo que possa trazer resultados nas eleições, mas que, quero aqui dizer, já sentimos que tudo que construímos já se transforma numa grande vitória e em um grande campo, para continuarmos na luta, aqui em Santa Catarina, e nos somarmos às lutas, no Brasil inteiro.
JBP – O PT concorre estas eleições com mais de 10 mil candidatas a prefeitas, vice-prefeitas e vereadoras. Quantas mulheres petistas estão na disputa em Santa Catarina? Há previsão de vitória de candidatas mulheres?
Décio Lima – Santa Catarina é a terra que tem o nome de uma mulher: Catarina. A nossa heroína é Anita Garibaldi, e a única santa da Igreja Católica no Brasil, é também aqui de Santa Catarina, que é a Madre Paulina. Então, aqui as mulheres hegemonizam. No caso do nosso partido, nestas eleições o percentual está acima do estabelecido pela lei de cotas. Chegamos próximo de 40% das nossas candidatas mulheres, espalhadas por todas as cidades de Santa Catarina. Em cidades importantes com eleição de segundo turno, como Blumenau, quem disputa a eleição é Ana Paula, que hoje, inclusive, apresenta totais condições de chegar ao segundo turno, conforme pesquisas que acompanhamos. Enfim, temos várias companheiras e companheiros nesse processo de disputa das eleições municipais. Mas, com quase 40% de candidatas mulheres.
JBP – Há, também, projetos de candidaturas negras? E, tendo, o PT deverá eleger alguma? Onde?
Décio Lima – Há, sim. Inclusive, o nosso candidato a vice-prefeito na chapa da Frente de Esquerda, em Florianópolis, o professor Lino Peres, é um negro. Temos várias candidaturas de negros e negras. O setorial do nosso partido em Santa Catarina, tem um ativismo muito marcante. Organizou várias candidaturas, que também estão pulverizadas no Estado, lideradas pelo professor Lino Peres, como disse, nosso candidato a vice, em Florianópolis, nossa capital.
JBP – As eleições desse ano estão dando visibilidade a uma proposta política baseada em mandatos coletivos. O que você acha desta nova forma de fazer política?
Décio Lima – Estou acompanhando de perto as candidaturas coletivas e vejo nelas uma experiência fantástica, que poderá, inclusive, romper com vários defeitos que temos na democracia. Um deles é o personalismo, ou seja, aquele processo de, no decorrer da vida democrática, votar na pessoa. Eu acho que esse é um caminho errado. Acho que as candidaturas coletivas qualificam o processo democrático; trazem uma possibilidade de horizontalidade do exercício das expressões nas institucionalidades do poder, seja na Câmara de Vereadores, como é o caso da eleição municipal, mas, também, nas assembleias legislativas e no próprio Congresso Nacional. Acho que vamos ter, com certeza, um salto de qualidade, principalmente, a partir destas eleições municipais, com esta experiência que, no meu ponto de vista, é fantástica.
JBP – Depois da pandemia do Corona Vírus, que saídas você enxerga para o país retomar o desenvolvimento econômico e social?
Décio Lima – Por incrível que pareça, nós, que defendemos um processo de fim do capitalismo, e que defensores uma sociedade igualitária e socialista, como temos afirmado ao longo de nossa trajetória, nos transformamos também em ‘salvadores do próprio capitalismo’, por conta de que, no exercício da atividade institucional do poder, somos aqueles que minimamente conseguimos dividir as migalhas do próprio capitalismo; com aquilo que chamamos de Estado Social, com o que foi o governo do ex-presidente Lula e da presidenta Dilma. Também com aquilo que tem sido construído no mundo inteiro, do ponto de vista das vertentes à esquerda, numa sociedade capitalista. Então veja, foi no governo do presidente Lula que nós tiramos milhões de pessoas da miséria, garantimos acesso e dignidade a milhões de pessoas, com casa, educação e saúde. Mas lembro que no final primeiro mandato da presidente Dilma, alcançávamos o pleno emprego no Brasil, com uma taxa de 4,3% de desemprego, e estávamos no ranking mundial entre o terceiro e quarto país com a melhor empregabilidade. E quem ganhou com isso? O próprio capitalismo. Por incrível que pareça, a economia cresceu, a estabilidade econômica viveu maior prazo sem crise do capitalismo. Foi este o ambiente. Se observarmos também outras experiências de Estado Social, como na Bolívia, vamos ver porque aquele país atingiu um crescimento do PIB, no período do Evo Morales, de 10% todo ano. Justamente por causa do Estado Social. Naquela velha máxima que o presidente Lula disse: “a economia se aquece quando o povo tem emprego, salário, quando se divide a riqueza, quando se inclui”. Então, eu vejo que, depois da pandemia, não há outro caminho para o Brasil. O caminho para o Brasil é se permitir, no processo democrático, o retorno desses valores. Por isso, acredito que nas eleições de 2022, teremos novamente um marco regulatório da história do Brasil, ou seja, vamos retomar a condição de protagonizar a vida do povo brasileiro.
JBP – Acusado de corrupção, preso sem provas e solto por força da lei, o ex-presidente Lula, não para de atuar nas redes sociais, dando entrevistas a mídias sociais – nacionais e internacionais. Qual é o papel dele nas eleições deste ano?
Décio Lima – O presidente Lula está exercendo papel fundamental nestas eleições municipais. O primeiro deles é tocar o povo novamente, com esperança. É o que ele está fazendo a todo momento, naquilo que ele tem alcance, dizendo que o Brasil pode se reencontrar em um projeto que seja de todo o povo brasileiro. Outro papel fundamental que Lula está fazendo é a denúncia – que nós precisamos fazer com ele, permanentemente – sobre todos estes acontecimentos da história recente de nosso país; ou seja, de um processo de golpe articulado, com a utilização de instituições, como foi o Judiciário; com a perversidade de pessoas que se utilizaram do Judiciário, como fez Sérgio Moro, e do Ministério Público, como fez Deltan Dallagnol. Enfim, dessas pessoas que se transformaram em uma organização criminosa, destruíram nosso país e entregaram o patrimônio brasileiro, no caso, o pré-sal – que era o caminho que podíamos ter para ampliar as políticas sociais –, a preço de banana, em um verdadeiro processo de pilhagem; logo depois do golpe, sendo uma das primeiras medidas votadas na Câmara dos Deputados. Eu acho que o presidente Lula exerce esse papel fundamental, que é não se resignar nunca! Ao contrário, se indignar e trazer, com toda clareza, resposta aos fatos dos quais ele próprio foi vítima o tempo todo. O papel dele é fundamental, como um líder consagrado de nosso país, e eu acredito que isso trará, com certeza, resultados e consequências positivas, no decorrer destas eleições municipais.
JBP – Os governos petistas de Lula e Dilma priorizaram o desenvolvimento, com políticas sociais de inclusão. Que legado deixaram para Santa Catarina?
Décio Lima – Em Santa Catarina, os legados são marcantes, do ponto de vista da transformação que o Estado teve, desde as obras de infraestrutura, que estavam distantes dos nossos sonhos, até os processos que foram realizados, do ponto de vista das obras humanas: daquelas que deram casa para as pessoas que não tinham; que permitiram que os filhos dos trabalhadores fossem para as universidades, por meio do Prouni; da ampliação dos institutos federais no Estado; da ampliação das escolas de proteção às crianças e adolescentes, em parcerias com municípios; da ampliação das unidades básicas, policlínicas e UPAs, que foram espalhadas em todas as cidades de Santa Catarina, mudando, inclusive, o retrato da saúde básica; da estrutura hospitalar de nosso Estado, que recebeu atenção como nunca na história do governo federal. Portanto, os olhos de todos nós, quando saímos às ruas, não há como não verem as digitais dos governos Lula e Dilma. Portanto, tudo aquilo que se alcançou em Santa Catarina, no último período, se deve ao processo republicano e, de forma ampla, realizados por meio dos programas que foram trazidos pelo presidente Lula e a presidenta Dilma.