A Venezuela vive há mais de 20 anos sob fortes ataques da parte dos EUA e seus aliados. Os objetivos com estes ataques são claros: retomar o controle sobre a maior reserva de petróleo do mundo; posicionar-se geograficamente facilitando controle militar sobre a América do Sul; diminuir a influência de Rússia e China no continente, além de impedir que um modelo não capitalista tenha êxito.
Se utilizando da chamada “Guerra Híbrida”, diversificam as formas de ataque. Ainda não vemos, apesar das ameaças, um ataque frontal com bombardeios e tropas adentrando o território. Porém, vemos uma campanha midiática internacional de mentiras contra o país, um cerco político montado pelos aliados dos EUA (podemos citar aqui a Europa e o grupo de Lima), sucessivas tentativas de golpes de Estado (como de 2002) e tentativas de assassinados do presidente e/ou dirigentes do governo, formação de grupos irregulares que tentam provocar uma guerra civil e, para não alongar muito nos exemplos, uma brutal guerra econômica, mais conhecida como bloqueio econômico.
Importante pontuar algumas expressões de como se dá na prática o bloqueio econômico, que mais fortemente se inicia em 2015, quando o então presidente dos EUA, Barak Obama, assinou o primeiro pacote de sanções. Desde então iniciou-se um ataque fulminante sobre a moeda venezuelana (fazendo que a inflação superasse a casa dos 1000% ao ano) e às importações dos bens que o país não produz, os quais do dia para noite desapareceram dos supermercados. Mais recentemente, já no governo de Donald Trump, se intensificou o bloqueio impedindo a Venezuela de fazer pagamentos usando o sistema internacional de bancos, sancionando empresas que vendam para Venezuela e confiscando todos os bens e reservas que Venezuela tem fora do país – esse confisco subtraiu de imediato mais de 30 bilhões de dólares e, se somar os efeitos decorrentes do não uso destas reservas, um prejuízo de mais de 100 bilhões de dólares, isso sem contabilizar as consequências diretas sobre o povo venezuelano, que em muitos casos levou pessoas a morte.
Obviamente não escapou dos ataques a empresa de petróleo estatal Petroleos da Venezuela SA (PDVSA). Até então o mercado principal do petróleo venezuelano era os EUA e toda a base tecnológica da indústria petroleira é norte americana, porém os EUA bloqueou a importação deste petróleo e o envio de peças e insumos para o refino. Isso levou ao colapso da extração e processamento do petróleo. A Venezuela, que tem a maior reserva de petróleo do mundo, já está há mais de 60 dias praticamente sem gasolina. O pouco que resta é utilizado para serviços de extrema necessidade, como saúde e alimentação.
Imaginemos a tudo isso o acréscimo de um cenário de pandemia. Poderíamos imaginar que seria o país da América Latina que mais sofreria, em que mais vidas seriam perdidas. Pois bem, os números nos dizem o contrário. A Venezuela tem os melhores índices de combate ao coronavírus – com mais de 30 milhões de habitantes está com menos de 1.500 infectados e somente 11 mortes. Se compararmos com os números da doença no Brasil, que não sofre nenhuma sanção, que não está em guerra e que é considerada a maior economia da América Latina, soa algo no mínimo estranho. A diferença está entre priorizar a economia ou as pessoas. Quando se prioriza as pessoas, a economia vem atrás. Quando se prioriza a economia, as pessoas morrem, e se morrem as pessoas, para quê economia?
Voltando ao tema dos combustíveis, a Venezuela apostou na solidariedade e na cooperação entre os povos para buscar uma saída. Negociou com Irã, que prontamente desafiou a “lei da gravidade” e enviou a Venezuela cinco navios carregados com mais de 1,5 milhão de barris de gasolina, além de insumos e equipamentos. Com isso, a Venezuela poderá garantir gasolina de maneira emergencial e, na sequência, reativar suas refinarias, resolvendo de maneira estrutural o fornecimento de combustível, superando a dependência de insumos, peças e tecnologia norteamericanos. Importante recordar que o Irã vive há mais de 40 anos em situação semelhante. É mais um país vítima das ambições e violência imperial – citemos como exemplo o brutal assassinato do General Soleimani em janeiro deste ano. Em 2009, a Venezuela, na época governada pelo Presidente Hugo Chávez, também se solidarizou com o Irã quando este país sofreu um desabastecimento em uma situação semelhante. Desde então, o Irã modificou toda sua base tecnológica e hoje tem sua própria matriz para processamento do petróleo, meta que a Venezuela há anos tem buscado e na direção da qual agora dará passos firmes.
O povo venezuelano festejou a chegada dos navios. Não só porque trouxe gasolina, mas também porque esses navios chegaram carregados de simbologia. Simbologia de solidariedade e valentia. Este fato, que se pode considerar sem exagero como um fato histórico, deixa um legado aos povos do mundo: é possível impor derrotas ao maior e mais sangrento império que a humanidade já viu – que é possível vencer. E não foi somente o povo venezuelano que festejou. O povo iraniano também. E muitas pessoas, muitas organizações, muitos países festejam este momento. É um momento de esperança.