O liberalismo americano, frequentemente apresentado como o pilar do livre mercado global, revela suas contradições quando confrontado com situações que ameaçam sua hegemonia econômica e política. A retórica de que barreiras comerciais devem ser eliminadas é rapidamente abandonada sempre que os interesses nacionais dos Estados Unidos são colocados em xeque. Essa dualidade ficou novamente evidente no caso recente envolvendo o TikTok.
O TikTok, um aplicativo de origem chinesa operado por uma empresa de Singapura, tornou-se alvo do governo norte-americano sob a justificativa de que representa uma ameaça à segurança nacional. A preocupação central, segundo o governo dos EUA, é a possibilidade de que os dados de milhões de cidadãos americanos possam ser utilizados pelo governo chinês. Para evitar essa “ameaça”, os EUA entraram com um pedido na Suprema Corte para bloquear o aplicativo caso ele não fosse vendido a uma empresa americana.
O paradoxo aqui é evidente: enquanto pregam ao mundo os princípios do livre mercado, os Estados Unidos demonstram não hesitar em adotar medidas protecionistas quando um concorrente estrangeiro desafia o monopólio de suas empresas e o controle sobre informações. Redes sociais americanas, como Facebook e Twitter, possuem histórico de colaboração com os serviços de segurança dos EUA. Então, por que o TikTok seria diferente?
Com o bloqueio do TikTok aprovado pela Suprema Corte, os usuários norte-americanos começaram a migrar em massa para o Red Note, uma versão chinesa exclusiva da plataforma. O movimento foi impulsionado pela indignação dos usuários, que passaram a questionar as motivações do governo e a refletir sobre as diferenças entre a vida nos EUA e na China. Curiosamente, no Red Note, os novos usuários ocidentais são recebidos com saudações como “bem-vindos, refugiados”, uma ironia à narrativa hegemônica americana.
A situação chegou a um ponto crítico: o ex-presidente Donald Trump, buscando controlar os danos, convidou o CEO do TikTok para sua posse. Durante seu discurso de posse, Trump foi além, mandando a diplomacia às favas e reafirmando o interesse em retomar o controle do Canal do Panamá, alegando que a China exerce domínio sobre ele. Anunciou também que deportaria milhões de imigrantes ilegais e enviaria tropas para a fronteira com o México. Entre as declarações mais controversas, destacou o desejo de renomear o Golfo do México e reafirmou a intenção de taxar pesadamente produtos importados, numa tentativa de reativar a indústria norte-americana. Trump ainda criticou frontalmente as pautas relacionadas às questões de gênero, sinalizando um retrocesso em direitos sociais. Em suma, ele demonstrou que as contradições entre a narrativa liberal e a prática não seriam mais apenas percebidas nas ações, mas explicitadas nos próprios discursos oficiais. A promessa de liberdade, simbolizada pela Estátua no Porto de Nova York, foi descartada sem cerimônia.
A tentativa de controlar o TikTok é apenas mais um episódio de uma longa história de hipocrisia no discurso liberal americano. Quando a Petrobras adquiriu a refinaria de Pasadena, no Texas, com o objetivo de ampliar a presença da empresa brasileira no mercado de derivados de petróleo, a reação dos EUA foi incisiva. Sob o governo Obama, houve espionagem contra o governo Dilma Rousseff, além de treinamentos promovidos pela inteligência americana a agentes brasileiros que posteriormente dariam origem à Operação Lava Jato. Essa operação foi fundamental para desestabilizar o governo do PT, consolidar a política de privatizações e abrir o mercado brasileiro à exploração estrangeira.
Outro ponto crucial é o controle ideológico exercido pelas redes sociais americanas. Plataformas como Twitter e Facebook favorecem, em termos de visibilidade, discursos alinhados à extrema-direita. A dificuldade de organização e mobilização da esquerda nessas plataformas não é mera coincidência, mas parte de uma engrenagem que promove narrativas conservadoras enquanto marginaliza discursos progressistas.
O liberalismo americano é, em essência, condicionado aos seus interesses. Em nome da Liberdade , só neste milênio, vários países foram invadidos, ou até destruídos… Que se cuide o Panamá pelo seu Canal e a Groenlândia pelas riquezas naturais. A “liberdade de mercado” só é defendida quando favorece as empresas e a hegemonia dos EUA. Quando essa liberdade é colocada em cheque por competidores estrangeiros, os princípios liberais são prontamente substituídos por protecionismo e controle estatal. Para o restante do mundo, isso não é novidade — é mais um exemplo do imperialismo mascarado de defesa da “democracia” e do “livre mercado”. Certamente o discurso de Trump, politicamente incorreto, é o mais verdadeiro escutado até hoje.
(*) Por Ronald Pinto é indígena Kaingáng e militante pelos Direitos dos Povos Indígenas
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