Vitória de Putin e o caminho da humanidade: reflexões sobre geopolítica, neoliberalismo e desafios futuros.
As congratulações recebidas por Vladimir Putin por sua acachapante e indiscutível vitória na eleição para presidente da Rússia dão ao mundo a esperança de novos tempos, mais democráticos, menos opressores, mais humanamente populares.
Estes modestos escribas unem sua voz aos milhares que foram às ruas comemorar a derrota da hipocrisia neoliberal que, desde 1980, se assenhoreou de dona do mundo, um mundo unipolar, financista, excludente e escravizador.
Coloquemo-nos há 100 anos, em 1924, quando são libertados da prisão Mahatma Gandhi, na Índia, e Adolf Hitler, na Alemanha; Lenine morre em janeiro, um ano após ter pedido a demissão de Joseph Stalin por repressão aos camaradas do Partido Comunista. Em 1923, já havia sinais do que o mundo deveria esperar: a exibição, nos Estados Unidos da América (EUA), do racismo com a declaração da Ku Klux Khan de ter 4 milhões de militantes, e Primo Rivera colocando a Espanha sob ditadura militar, que, com Francisco Franco, durou até a década de 1970.
O mundo neoliberal pós 1980
O poder, no mundo neoliberal, saiu dos consumidores que mantinham os Estados industrializados, socialistas e capitalistas, com maiores ou menores abundâncias, para o mundo do ganho financeiro. É interessante observar esta passagem pelo século 20, após as grandes guerras, na direção das empresas.
De início eram os engenheiros, que dominavam os aspectos produtivos, de manutenção das máquinas, das logísticas, que tinham a última palavra no processo decisório. Com a produção, cada vez mais padronizada, automatizada, ganhar mercados para os produtos passou a ser o mais relevante para as empresas. É a era dos publicitários, dos homens do marketing, da propaganda, do uso de celebridades associadas a produtos e marcas.
Por fim, teve início o ganho com aplicação das receitas e lucros. Surge então a empresa que tem na especulação financeira mais lucro do que na venda dos produtos e na diferença entre o custo de produção e o da venda. As finanças passam a dar as cartas nas empresas e nos países. O tempo passa a ser dos financistas, dos contadores.
Estes alegam precisar de maior autonomia para se expandir e surge a década das desregulações, os anos 1980, liderado pelas duas maiores praças do ocidente: Nova York e Londres, conduzidas pelos conservadores Ronald Reagan (EUA) e Margaret Thatcher (Reino Unido).
As finanças não se submetem ao público; nem pela qualidade do produto nem pelo convencimento das publicidades. Elas dispensam as populações, pois apenas interessam aos donos do capital, aos que recebem dividendos. Com as finanças a politica conservadora, de direita, assume o controle das empresas e dos países. Basta-lhe a liberdade para manipular os mercados financeiros, para o que elaboram leis e corrompem legisladores e fiscais.
O domínio das finanças é o domínio da hipocrisia, das farsas, das fake news, de toda comunicação de massa e da educação. As pessoas perdem suas referências, suas capacidades de análise da sociedade e se comportam como gado, caminhando ingenuamente para os matadouros. É o tempo dos microempresários individuais (MEIs), dos que arcam com todos os riscos e custos do seu trabalho (ubers), do mundo virtual como se a realidade fosse eletrônica.
O mundo globalizado não é o mundo da paz, mas das disputas pelo poder e pelo controle das fontes de energia e da comunicação com o povo.
As guerras no domínio neoliberal
Nem é de hoje, nem uma questão de Netanyahu. O Estado de Israel tem o mesmo “destino manifesto” dos EUA (1845): dominar os vizinhos e submetê-los aos seus interesses.
Em 1982 surge a guerra no Líbano. O Governo de Israel ordenou a invasão como resposta à pretensa tentativa de assassinato contra o embaixador israelita no Reino Unido pela Organização Abu Nidal. Israel havia ocupado o sul do Líbano e posteriormente cercado a Organização para Libertação da Palestina (OLP), em Beirute ocidental, submetendo-os a bombardeamento pesado.
Em 1983, os EUA invadem Granada, ilha caribenha, a maior das granadinas, para depor o governo revolucionário que lá governava. O pretexto foi o nunca demonstrado envolvimento de Cuba no governo de Granada, e ao status do país como parte da Commonwealth.
Para os EUA e seus aliados, qualquer governo que não siga suas diretrizes, busque alguma autonomia, o desenvolvimento que atenda aos interesses da maioria da população, será sempre “comunista” ou dirigido por “ditadores”.
A indiscutível vitória de Putin, com toda transparência da campanha e do processo eleitoral e acompanhado por observadores de todas as partes do mundo, apenas dará pausa na acusação de ditador, pois os neoliberais não são criativos nem muito inteligentes. São oportunistas, manipuladores da realidade, corruptos e corruptores.
Os EUA estiveram comprometidos em vários conflitos, durante a década de 1980, quer pelas alianças com grupos locais, patrocinados e organizados por instituições estadunidenses, em diversos países da América Central e do Sul, sob o pretexto de se opor à disseminação do comunismo e por fim ao tráfico de drogas, quer de outras regiões, principalmente aquelas ricas em petróleo, como o Iraque e a Líbia.
Duas questões são especialmente importantes e tratadas, midiaticamente, pelo poder neoliberal de modo em total desacordo com suas realidades: as drogas e lavagem de dinheiro e os combustíveis fósseis, como principal fonte de energia primária.
Os capitais marginais e as finanças desreguladas
As mais tradicionais finanças, das aristocracias européias ocidentais desde o século 14, são as fundiárias, propriedades territoriais que se transmitiam por herança. As Magnas Cartas inglesas tratavam de garantir este privilégio dos barões com documentos reais, ou seja, os aristocratas tinham a garantia da sucessão para seus escolhidos.
Com o comércio que se formou, principalmente com os contatos da Europa com o Oriente, e com as disputas de reis e nobres, surgiu o prestamista, que adiantava os recursos e sobre eles cobrava juros e taxas. Formaram-se as finanças dos empréstimos e dos que tratavam das compras e vendas, prestamistas e comerciantes.
Tal situação perdurou por séculos, até que os industriais passaram a disputar o poder com outras fontes: militares, financistas, inventores, políticos etc. Mas, até o início do século 20, mais precisamente até a 1ª Grande Guerra, o poder financeiro se impunha sobre os demais.
O que está acontecendo hoje, depois das desregulações?
O capital das drogas, dos contrabandos de pessoas e de bens, dos assassinatos, dos crimes de toda ordem, da corrupção, suborno e chantagem, coletivamente chamados, capital marginal, entrou na ciranda, na especulação financeira, com um grande trunfo: a liquidez. Ninguém compra droga com cheque, paga cafetão às prestações e contrata um assassino para pagamento em ações.
A denominada “crise do subprime”, de 2008 a 2010, foi também a do espaço conquistado pelo capital marginal no conjunto dos capitais financeiros.
A consequência foi a invasão das milícias, onde havia polícia, das vantagens ilícitas, no lugar da ordem e do progresso, da hipocrisia dominando as relações na sociedade, e nos discursos dos governantes. Onde é a guerra, ao invés da negociação, o meio de solução de questões reais ou, na maior parte dos casos, inventada, forjada.
Argentina, Chile, Costa Rica, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai não querem incomodar os EUA, como reflete a mensagem da presidente hondurenha, Xiomara Castro, que detém a liderança da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), para saudar a vitória de Vladimir Putin e lamentar os conflitos no Haiti, em Israel e na Palestina, onde apenas a intervenção da comunidade mundial, baseada em princípios de paz e humanismo, pode solucionar.
Porém em que mãos está a comunidade ocidental? Das finanças, onde a participação das marginais é crescente. Nos países citados pela presidente de Honduras, aos quais, lamentavelmente, também se inclui o Brasil.
Em recente artigo para o portal russo Arsenal da Pátria, o conselheiro Andrei Ilnitsky, do Ministério da Defesa da Rússia, tratou do novo campo de operações da Otan: a mente dos povos opositores.
Assim, é no teatro do inconsciente que são implantadas a irresponsabilidade, a degradação, as farsas que minando as condições morais de defesa enfraquecem os inimigos.
O Brasil é fundador dos Brics, esta recente vitória nas urnas foi do parceiro e atual presidente desta união de nações, Vladimir Putin, representante da Federação Russa, porque Lula não foi dos mais entusiastas manifestantes? Já seria a fraqueza moral da nova forma de luta da Otan?
Defender o passado ou acreditar no futuro
O Brasil caiu no conto das finanças ao aceitar seu poder para derrubar os governos militares desde 1980. A dívida financeira de então estava aplicada em projetos de desenvolvimento. Com raciocínio de empresário, os governos militares investiram num país muito mais carente do que eles transmitiram, 21 anos depois, à classe política.
Veja-se a geração de energia e quais suas fontes em 1964 e em 1985. Era o resultado dos investimentos na hidroeletricidade, na exploração do petróleo em águas oceânicas, em refinarias, na biomassa (proálcool). E os resultados seriam colhidos nos anos seguintes, sendo a descoberta do pré-sal o maior exemplo.
Esta imensa reserva de petróleo, que vem sendo fraudada nas estatísticas estrangeiras e ocultada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), já era conhecida pelos geólogos na década de 1990, apenas necessitava prosseguir o desenvolvimento tecnológico da Petrobrás, em águas profundas, para confirmação pelas perfurações.
Passados 40 anos, qual a situação brasileira na fundamental área da produção de energia? A Eletrobrás foi entregue a capitais financeiros apátridas, a biomassa está totalmente controlada pela empresa anglo-holandesa Shell, a Petrobrás foi fatiada, que nem mais pode ser identificada como empresa integrada de petróleo, pois abdicou da distribuição dos derivados, desfez-se de refinarias, de dutos, de terminais, reparte, minoritariamente, a produção do petróleo no território brasileiro, e saiu da produção de fertilizantes e dos petroquímicos.
Rigorosamente todos os governos, de 1990 até hoje, 2024, atenderam aos interesses das finanças, sendo os mais recentes de um sistema onde as finanças marginais têm importante parcela nas decisões.
O que representam o Brics, a Iniciativa do Cinturão e Rota, antiga Rota da Seda, reintroduzida no sistema comercial do extremo oriente com o mundo, e do qual o Brasil não quer ser parte, como também se ausenta da Organização para Cooperação de Xangai? O futuro multipolar, das autonomias nacionais, da cooperação sem submissões, como ocorre no mundo unipolar, dos capitais financeiros.
Por isso, são necessários governos fortes, capazes de construir a soberania necessária para a salvaguarda e a projeção dos interesses nacionais frente ao poder transnacional das finanças apátridas. Desde 2000, Putin devolve à Rússia seu poder histórico, que o imperialismo ocidental buscou destruir com a derrocada da URSS. Assim, estabelece mais um polo de poder, capaz de contrariar e relativizar as pretensões unipolares do capital anglo-saxão-sionista.
A vitória eleitoral de Putin e a repercussão mundial mostraram claramente o que o mundo deseja: paz e desenvolvimento. Ou seja, o que as finanças, de anônimos dirigentes, se opõem.
(* ) Artigo escrito antes da ocorrência da agressão ocidental do Crocus City Hall.
(**) Por Felipe Maruf Quintas, doutor em ciência política; e Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.